Olá, queridos leitores e queridas leitoras.
Setembro começa e, mais que isso, setembro amarelo começa.
E foi embebida pela aura do setembro amarelo que me arrisquei a fazer meu primeiro folheto de cordel no ano retrasado, e resolvendo mais recentemente, neste atual setembro amarelo, lançar uma segunda edição dele.
“Cordel para Gi” surgiu-me enquanto uma homenagem a uma amiga muito querida que partiu tão precocemente, bem como deu-se como uma espécie de desabafo/desafogo, inerente ao meu processo de luto.
Gi partiu de forma brusca, vítima da depressão, que surge sempre muito silenciosa e quando chega ao ponto que chegou para ela, faz um estrago que não tem volta.
E é por isso que sou tão insistente em compartilhar o que sinto. Por autopreservação e para encorajar o leitor a fazer o mesmo. Porque o silêncio e a solidão são os piores aliados dessa doença tão cruel e arrebatadora. Então: diga, sinalize, peça ajuda e lembre-se que vc nunca está só.
Naquele dia eu fiquei o dia inteiro com uma história super engasgada em mim e então fui tentar sentar, me organizar, tentar me reconstruir, pra poder externar em palavras o turbilhão de sensações que me rondou naquele momento e que só depois do ofício do dia concluído é que pude por fim desabafar/desabar.
Eu soube naquele dia que a minha amiga Gi havia partido. E o meu chão se abriu.
Não teve despedida, não teve encontro pós pandemia pra colarmos lambe lambes (foi ela quem me ensinou a colar), não vai ter mais coco, não vai ter mais batucada, não vai ter mais gargalhadas, não vai ter mais nada, nunca mais.
Restou-me colocar em versos o que tanto doía no peito, na esperança de aliviar um pouco do desespero de nada mais poder fazer, bem como na tentativa de eternizar sua passagem rápida e iluminada por aqui.
Desta forma, compartilho com vocês o que saiu de toda esta tentativa de curar uma ferida que sei que nunca irá se fechar, mas que falar sobre ajuda a trocar os curativos, a limpar a bandagem e a fazer o peito respirar.
Cordel para Gi
Resolvi eternizar
Nesta minha abstração
Querendo homenagear
Com meu peito em suspensão
Pra tentar me perdoar
Seu legado eu vou honrar
E levar no coração
Giovana acordou
E queria se animar
Mas seu corpo desabou
Sem a alma no lugar
Foi pro poço e afundou
Pra tentar se libertar
Lá na porta alguém chegou
Pra tentar lhe estimular
Giovana nem ligou
Não queria despertar
A sineta então tocou
E assim não quis parar
Com o ouvido em zumbido
Giovana se moveu
Sem da dor ter se esquecido
Foi a porta, e a atendeu
Com um amargo desmedido
Que sua amiga percebeu
Num olhar, assim comprido
Carolina a compreendeu
Gi na vida sem sentido
Lina logo lhe acolheu
E na gola do vestido
Sua lágrima escorreu
Lina entrou, cuidou da amiga
Fez um chá, ligou o chuveiro
Pos mandalas numa viga
E na mesa um bom dinheiro
Pos no rádio uma cantiga
Com seu ritmo festeiro
E Giovana assim se abriga
Mas no peito, há um aguaceiro
Um cansaço, uma fadiga
Pensamento tão ligeiro
E na alma aquela urtiga
Que brotou no seu canteiro
Aos pouquinhos, se acalmou
E com olhos embaçados
Diz que Deus a abandonou
Corpo e alma estragados
E tão breve, lhe jurou
Que pagava seus pecados
Lina ouviu, lhe abraçou
Afagou-lhe os cabelos
Calmamente lhe explicou
Sem maiores atropelos
Que ali ela chegou
Pra vencer seus pesadelos
As mazelas desta vida
Nos atingem facilmente
Abrem em nós grande ferida
Nos machucam densamente
Deixam a alma encolhida
E o corpo em febre ardente
Gi esboçou-lhe um sorriso
Mas com baixa energia
Um olhar tão indeciso
Envolvido em afasia
Tanta dor de improviso
O peito em taquicardia
Lina, calma se fazia
Quis lembrar do tratamento
Do doutor que lhe atendia
E de seu medicamento
Porém Gi não compreendia
Tinha em si tanto tormento
A amiga ficou calma
Pra passar-lhe segurança
Pois doença que é da alma
Uma hora o corpo alcança
E estendeu-lhe sua palma
Pra lembrá-la da esperança
Giovana sempre linda
Efusiva e brilhante
Tinha um dom que não se finda
De ter alma de brincante
E menina, jovem ainda
Com seu corpo então bailante
A jogar com as sentenças
Mergulhada na poesia
Tinha em si diversas crenças
Tinha outrora alegria
E fazia as diferenças
Em tudo o que ela dizia
Lina pensa com amor
Em quando se encontraram
Em um dia de calor
E nos lambes que colaram
Do barulho do tambor
E no tanto que dançaram
Gi tocando sua alfaia
Lina em seu tamborim
Lembra a cor de sua saia
Um vermelho assim carmim
E pensaram em ir pra praia
Mas só foram ao botequim
Passa um filme na memória
Lina então segura a dor
E se faz contraditória
Faz-se forte, sem pavor
E se vê assim simplória
Ao tentar se recompor
Gi está mal, não é de agora
Lina dantes não sabia
Gi queria ir embora
Lina então a abraçaria
Tudo agora lhe apavora
Gi que outrora era poesia
Lina pensa em Giovana
Que em seu colo já dormia
Lembra do fim de semana
Quando Gi ainda sorria
E recorda de sua gana
Sem ter tal melancolia
Desde quando decidiu
Se mudar pra Ilha Bela
Nada mais a impediu
De içar seu barco à vela
Gi pra ilha então partiu
A buscar seu sentinela
E chegou tão renovada
Conheceu vários amigos
Se sentiu tão mais amada
Encontrou muitos abrigos
E com Lina na empreitada
Esquecia dos perigos
Lina passa a pensar
Quando tudo começara
Na amiga a definhar
E pensou em que falhara
Na tristeza a chegar
No temor que lhe assolara
E lembrou que em sua entrada
Avistou algo suspeito
Tanta coisa acumulada
Álcool e fósforo em seu leito
E ficou atordoada
A sentir um frio no peito
Já enquanto Gi dormia
Lina achou logo um bilhete
Com uma escrita sem poesia
Como um rasgo de estilete
Que o peito destruía
Bem debaixo do tapete
Lina teve uma tonteira
E então tomou ciência
Ao sentar-se na cadeira
Pos a mão na consciência
Sua visita foi certeira
Impedindo a diligência
Gi aos poucos acordava
Lina então lhe deu um abraço
Gi de nada se lembrava
Lina deu-lhe logo espaço
Sem cobrança, lhe acalmava
E chamou-lhe pro terraço
Gi aos poucos levantava
Pra tomar aquele ar
E a cabeça ainda girava
Mas queria ver o mar
Lina atenta lhe escorava
Ajudando a amiga a andar
Lina fica satisfeita
Ao olhar a amiga em pé
E o sol então a enfeita
Com a brisa da maré
Gi que era tão perfeita
Só sonhava em ter mais fé
E o mar foi contemplado
Com sua cor tão reluzente
Em um tom esverdeado
E sua onda tão valente
A quebrar só de um lado
Então Gi refresca a mente
Porém tudo diluiu
Como virando fumaça
Lina então logo sumiu
Revelando-se a desgraça
A esperança sucumbiu
Como vidro que estilhaça
Lina a tempo não chegou
Tudo fora uma ilusão
O seu peito se afogou
Giovana foi-se ao chão
Sua luz quase apagou
Oscilou, piscou, voltou
Gi partiu com a depressão.
Um abraço apertado e até a próxima.
Graziela Barduco.