Vivemos tempos líquidos (Bauman não me reprenderia por este artigo).
Fatos são apagados, com a desculpa do esquecimento, pessoas são esquecidas, com a desculpa do afastamento, sentimentos são afastados, com a desculpa do isolamento, informações são isoladas, com a desculpa do arquivamento e assim a sociedade morre burra, sem histórico, histórias, memórias, pensamentos, inspirações, reflexões, conhecimentos, referências, caráter, dignidade e, sobretudo, sem essência.
A prática do apagamento é comum em muitas instâncias, principalmente nas relações sociais.
De acordo com Castro, Lofego e Oliveira apud Manske (2020):
“A história está presente em todas as ações do cotidiano, do ‘agir’ ao ‘esquecer’. Contudo, apesar de tal sanção se revelar verídica e presente em diversos pensamentos e campos do quadro social, notoriamente, o passado é atacado, silenciado e posto em dúvida. Seja para compensar erros estruturais, para administrar um novo curso em uma determinada sociedade, tal ação se reverbera pelos registros do passado humano, todavia, uma justificativa frequente para essas ditas ‘mudanças’, se trata justamente do silenciamento de corpos ditos ‘perigosos’ para o quadro de uma certa comunidade.”
E segundo Castro, Lofego e Oliveira apud Calegari (2005):
“Assim, vozes são caladas para que um pequeno grupo continue a gritar. O apagamento de identidades e o silenciamento de discursos que desafiam estruturas de poder se perpetua dentro de uma lógica que fere não somente tais corpos, mas toda a condição humana.”
Dessa forma, apagar é exercer domínio sobre o outro, bem como é submetê-lo inclusive ao seu controle, arbítrio e poder. É silenciar aquilo que não deseja ser ouvido, para que a lógica vigente, ou a lógica daquele que se faz comandante siga, sem interrupções. Assim agem os cerceadores, opressores e ditadores, promovendo o apagamento para alimentar o curso de seu poder.
Por vezes, vejo o apagamento aos meus olhos, à minha frente, acontecendo em tempo real. Vejo pessoas serem apagadas para outras se perpetuarem sobre elas, pisoteando-as, mesmo sabendo que elas ali existiram e se fizeram úteis e necessárias. Vejo histórias sendo apagadas para que outras histórias sejam impostas sobre as que de fato aconteceram, para que uma nova realidade seja empurrada goela abaixo, substituindo e extinguindo aquela que dantes aconteceu.
Por sorte, temos o artefato da documentação, que eterniza fatos, histórias pessoas, feitos, situações e afins, para que estes possam ser devidamente honrados e creditados por aquilo a que respondem e correspondem, já que a memória é fraca, mas o trabalho certamente foi árduo e não há que ser apagado, tão pouco o indivíduo labutador esquecido ou silenciado.
E bora de poesia:
Vejo sempre o apagamento
Da memória construída
Diligência instruída
Por mandantes do momento
Tudo é podre, cem por cento
Mas a luta segue ativa
Isso só nos incentiva
E dá força à resistência
Que batalha a permanência
Pra manter sua narrativa.
Sigamos,
Graziela Barduco.