Outro dia participei de um evento literário em São Paulo e era pra ser mais um evento como os outros eventos que vou em São Paulo, que, aliás, amo participar, porque é sempre maravilhoso conhecer novos escritores, novas pessoas, fazer essas trocas são sempre tão preciosas e, em geral, voltamos com o coração mais aquecido, e recheado de boas surpresas.
Eu confesso que só estou escrevendo sobre isso agora, porque só então consegui sentar em minha cadeira de balanço de meu refúgio, e é onde fico processando as coisas que me aconteceram. Enfim… Sim! Eu conheci pessoas maravilhosas e também tive trocas incríveis. Porém, a primeira pessoa que conheci, que acho que foi a primeira que chegou ao evento, pertencente ao grupo que ali faria o bate-papo que lá aconteceria, me olhou como se não me enxergasse. Me cumprimentou brevemente e baixou a cabeça, continuando a ler uns papéis que trazia consigo.
Talvez porque eu tenha sido apresentada a ela como “Graziela Barduco: a cordelista”, aliás, título do qual, eu MUITO me orgulho.
O fato é que eu tenho notado, por inúmeras vezes (não sempre, felizmente!), este mesmo olhar, quando nós cordelistas estamos em algum evento literário (e digo “nós” porque depois fui conversar com algumas e alguns cordelistas, que me relataram terem sentido por diversas vezes exatamente esta mesma sensação), vindo de outros escritores, representantes de outros gêneros da literatura.
Bem, o fato é que neste evento em questão, eu estava como representante da Literatura de Cordel (com muito orgulho), falei sobre esta, que é uma literatura extremamente rica, discorri sobre a importância do Cordel, dentre outros aspectos pertinentes a tudo que estávamos conversando.
A senhora que me olhou com desprezo não ficou para ouvir esta parte, já que o assunto dela havia sido antes do meu e, dessa forma, ela já havia ido embora nesse momento. Uma pena, porque ela ficou sem saber sobre a importância do Cordel.
Esqueci também de mencionar que, em dado momento, ela queria que eu me levantasse do lugar em que eu estava sentada na composição do sofá no evento, para a pessoa com quem ela desenvolveria a participação dela no bate-papo se sentasse. Eu estava acompanhada de uma amiga, também representante da Literatura de Cordel, que desenvolveria junto comigo a parte sobre Cordel no bate-papo, e neste instante a senhora em questão queria na realidade que nós duas saíssemos do sofá, para dar lugar a quem a acompanharia em sua apresentação. Até aí, tudo bem. Era só uma questão de logística, de composição de cena. Depois, retornaríamos ao local, em nosso momento de apresentação. Porém, o modo como ela se comunicou conosco foi extremamente desrespeitoso. E assim, vida que segue…
No mais, foi uma maravilha de evento! Mulheres fortes e potentes apresentando seus projetos, foi lindo!
A escritora que apresentou-se junto desta senhora era maravilhosa e escreveu um livro incrível.
Foi sublime o momento em que o livro dela foi discutido, sobretudo porque, neste momento, havia também uma outra moça, igualmente maravilhosa, produtora cultural incrível, contribuindo na mediação e apontando questões certeiras, e necessárias acerca da obra e do tema em questão.
Na sequência, mais pessoas foram abrilhantando o evento e tudo foi se desenrolando para uma festa pra lá de especial!
Quando tudo acabou, levei comigo, em minha alma, essas pessoas lindas que ali conheci. Nos “seguimos” nas redes sociais, para a gente não se perder de vista. Mas a senhora que me causou tal mal estar, preferi não “seguir”.
Bom, que ela continue em paz o seu caminho pela literatura.
E um pequeno adendo. Eu disse “nos seguimos”, porém aqui há uma observação a ser feita. A moça do livro incrível, e que inclusive é doutora em Literatura, não chegou a me “seguir” nas redes sociais *somente eu que a “segui”), mas me mandou uma mensagem muito especial, na qual dizia que gostaria de conhecer mais sobre meu trabalho e saber mais sobre meu processo com a literatura, dentre outros aspectos.
Adorei! Achei que íamos super trocar figurinhas. Fiquei muito animada, pois adoro construir novas amizades! Mas na realidade ela só queria me vender uma mentoria…
Fiquei triste… Depois de eu ingenuamente responder muito empolgada sobre minha paixão pela literatura, sobre como havia me tornado escritora, bem como na seqüência cordelista e também como estava conseguindo pagar minhas contas por meio da literatura, além de dar palestras, workshops e fazer apresentações e afins, sempre vinculando essas atividades à literatura ou a literatura de cordel, eu percebi que não era bem essa a resposta que ela esperava.
Como uma pessoa muito bem realizada e sucedida, ela gostaria apenas de oferecer algo como um “coach” de como ser uma escritora/empreendedora e de como ser bem sucedida no meio literário para esta simples cordelista que vos fala.
Me lembrei de meu grande amigo e cordelista Chico Feitosa, que além de filósofo e cordelista de primeira, é um gênio das vendas de Cordel, e é sempre quem mais fatura nas feiras e eventos que frequentamos.
Mas, voltando ao nosso assunto, fiquei mais uma vez decepcionada, por novamente ser, digamos que, um tanto “pré-julgada” por uma colega de profissão, que em sua breve análise sobre mim, concluiu que eu deveria ser alguém de pouco prestígio profissional.
Entrei em seu site e observei que seus cursos, métodos, mentorias e afins tinham um preço bem “salgado”, sem querer desmerecer o trabalho da colega.
Ainda navegando em seu site, encontrei também a seguinte frase no estilo slogan de seus serviços oferecidos: “Seja uma escritora empreendedora, que vive de literatura e fatura até R$ 10 mil por mês.”
Neste momento fez sentido a surpresa dela quando eu disse que justamente vivia de literatura. E neste momento também veio à minha cabeça a imagem da bolsa Yves Saint Laurent que ela tão lindamente usava no evento em que nos conhecemos.
Rapidamente, e orgulhosamente, esvaziei minha Victor Hugo, que por sinal comprei com o dinheiro de minha literatura, peguei minha Espedito Seleiro, que por sinal dá uma surra na Victor Hugo (porque está para nascer quem produza peças em couro de forma mais sublime do que este mestre maravilhoso da cultura brasileira), coloquei tudo dentro dela e saí com a alma leve, depois de declamar com afinco a seguinte décima, escrita no dia do fatídico evento, logo após ter sido “cumprimentada” pela senhora da qual vos falei anteriormente:
(DETALHE: resolvi escrever tais versos, já que cheguei cedo ao evento e estava lá sentadinha no sofá, sozinha, sem ninguém pra conversar, sem ser enxergada pela tal senhora à minha frente, de modo que achei mais produtivo escrever sobre o que estava sentindo naquele momento, do que simplesmente ficar nas redes sociais.)
Sentada no restrito
Onde nunca se mistura
Cordel com Literatura
Cada qual em seu distrito
Eu confesso, não me irrito
Aprendi viver às margens
Mas apronto as traquinagens
Escrevendo no meu bloco
Minha décima in loco
Registrando tais imagens.
Com amor,
Graziela Barduco.