Filha, desculpe por isso. Também sou criança e ainda tenho atitudes imaturas. Desculpe por tudo que idealizei e não cumpri, não só por mim, mas por nós, por um projeto. Você veio para nos completar mas você transbordou, de tão bela e maravilhosa, você é muito maior que nós juntos. Você veio pra transcender, pra ser a expressão do que nós fomos em dois. 

Você é o amor, é fruto dele e me faz pensar o quanto construir essa ideia, mas não consegui, filha. Me sinto fracassada, não por você, mas por mim, pelos meus planos e te coloquei no meio disso… Você todo dia fala em nós, como te conforta, era só o que eu queria, nós juntos, mas eu fracassei, meu amor.

Desculpa por isso… desculpa não cumprir com o prometido ou pelas frustrações… mas você é só uma criança, ainda vai ver muita coisa, e ainda iremos viver muito.

Sinto sua falta em tudo, quando está longe. Às vezes deixo tudo do mesmo jeito de quando você saiu, só para ter a sensação que você está aqui comigo e eu não estou sozinha. Entro no seu quarto várias vezes, vejo seus brinquedos, suas roupas e dou risada sozinha lembrando de suas brincadeiras… Entro no banheiro e vejo sua escova de dente, tão pequenina, fica lá no mesmo canto, até você voltar e usá-la novamente, toda semana, no mesmo ciclo…

Mas eu queria mesmo era todo dia você por perto, sinto sua falta em tudo, seu cheirinho suado, sua risada natural, suas histórias de um dia na escola, queria isso todo dia…

Mas filha, eu tenho você todo dia, por que eu sinto você pensando em mim e o quanto sentimos falta uma da outra. Nossa conexão é tão nossa, as suas palhaçadas, as nossas aventuras no caminho da escola, você me entende tanto, e você só tem 3 anos, como pode?

Você me acolhe quando estou triste, o seu abraço com esses bracinhos tão pequenos, me dá tanto conforto, tanta confiança… 

Ser mulher, já somos julgadas e nos sentimos culpadas, quando chegamos na maternidade isso reforça, a culpa vem sem medo e às vezes só o choro resolve e nos coloca no lugar. Os resultados a gente vê quando você me fala, sem eu estar esperando: “mamãe eu te amo”. Isso me derrete toda, eu deixo tudo e vou ao teu encontro te cheirar muito. Você ainda não sabe a imensidão que essas palavras vindas de você significa pra mim, um dia saberás, mas o nosso cotidiano sempre será de muito afeto e respeito para demonstrar o quanto sou grata por ter me escolhido como mãe. 

Filha, desculpa! Mesmo que eu saiba que nós mulheres a todo momento somos apontadas ao tribunal do julgamento, essa culpa parece que não quer desaparecer da gente. Ela vem intensa e solitária e em alguns momentos nos põe lá no chão. Mas chega você com toda delicadeza e um sorriso gigante, abraçando minhas pernas, e quando a culpa desaparece eu falo: “deixa eu aproveitar aqui que eu ganho mais”. Você entenderá quando crescer, espero que já esteja forte o suficiente para não absorver esse tipo de sentimento, farei de tudo para te fortalecer, mas espero pelo menos que entenda essa culpa que carrego e por isso só consigo te falar: desculpa, filha!

Entretanto, mesmo com tanta culpa não posso deixar de te agradecer pela grandeza que é você e o quanto só a sua presença me impacta e renova minha vida. Obrigada pela paciência comigo, com meu processo de aprendizado, como disse lá no começo, muitas vezes minhas atitudes são imaturas e ajo na emoção, mas saiba que sempre é querendo o melhor que eu posso te dar, esse sempre é meu objetivo. Depois que você floresceu nossas vidas eu só consigo viver pra te fazer uma mulher poderosa e dona de si e eu não quero só te dizer isso lá na frente, eu quero que você tenha exemplos assim ao seu lado, que possa se espelhar e seguir seu próprio caminho. A culpa some quando penso nisso, porque no final eu sei qual sentido devo ir!

Obrigada mais uma vez por tudo que fez na minha vida!

Te amo

De sua mamãe!

Maria Clara Psoa

Maria Clara Psoa é natural de Natal-RN, mestra em Ciências Humanas e Sociais pela UFABC e Doutoranda em Serviço Social pela PUC – SP pesquisando as culturas de resistência no Brasil, dentre elas o Cordel. Lançou seu primeiro cordel aos 15 anos de idade, intitulado: “O tolete de Itu”. Também é autora da obra “São tantas as Marias”, lançado recentemente. É rapper e milita no Quilombo Brasil Movimento Nacional de Hip Hop. Atualmente reside em São Paulo capital e faz parte do time de cordelistas do Coletivo Teodoras do Cordel – Artevista SP.