Visite nossas redes sociais

17 dez

Sobre a Soberba do Ser Humano

Há tempos que me incomodo profundamente com egos exacerbados, egocêntricos desmedidos e narcisistas de plantão.
Como minha formação foi basicamente toda feita no meio teatral, antigamente eu achava que essa coisa de ego inflado era algo inerente ao meio no qual eu me encontrava. Mas hoje, vivendo bem mais no meio literário do que no teatral, vejo que nesse outro meio é exatamente igual. E, para mais, fazendo um recorte, pensando no mundo cordelístico, novamente acontece a mesma questão.
Muito provavelmente isso seja algo intrínseco ao ser humano, mas, creio eu, e isso é uma opinião muito particular, que aquele que lida com a arte, sofre de uma moléstia que eu costumo chamar de “síndrome do pica das galáxias”, mas isso já é um assunto para um outro artigo.
O fato é que tenho suportado cada vez menos esse exibicionismo em larga escala, atrelado a uma tentativa de desmerecer o outro, pra sentir-se maior e melhor, bem como pra validar seu sentimento de superioridade agigantada.
Se você é excelente naquilo que faz, por que se preocupa tanto em criticar, em tom de deboche e humilhação, a inferioridade daquele que ainda não chegou aos seus tão perfeitos pés?
E por que você se sente tão ameaçado pelo outro a ponto de querer destruí-lo, ou pelo menos desestruturá-lo, se você é assim tão maravilhoso e um ser tão elevado e superior?
Sabe, ontem eu me lembrei de um rapaz das minhas redes sociais, que gosto muito da qualidade daquilo que ele escreve. Ele se autointitula como autor marginal.
Na FLIP deste ano, recebi um jornalzinho que estava sendo distribuído durante todo o evento por lá, com uma matéria falando dele e achei isso super legal. Simplesmente porque fico feliz quando autores conhecidos meus são divulgados, acho o máximo mesmo, me dá a maior alegria!
Ontem mesmo vi uma amiga que tem um trabalho lindo na área da contação de histórias, dando uma entrevista na TV. Daí fotografei a tela e mandei pra ela, rs! Ela ficou feliz e eu amei vê-la num programa super bacana.
Mas voltando a história do rapaz, eu estava na FLIP deste ano pelo IPHAN, pelo segundo ano consecutivo, na programação oficial, com toda pompa e circunstância que a Literatura de Cordel merece, e esse autor estava pela primeira vez lá na Casa da Favela, com toda pompa e circunstância que esta Casa linda da FLIP, recheada de uma programação maravilhosa, merece.
Eu, super empolgada, mandei uma mensagem pra ele, dizendo que havia acabado de receber um exemplar do jornal com uma matéria sobre ele, mandei uma foto da matéria e perguntei se ele já havia recebido também. Ele nem deu “oi”, nem agradeceu e somente perguntou: “recebeu como?”.
Isso porque, provavelmente, na cabeça vaidosa dele, das duas uma: ou só ele é quem deveria estar na FLIP e então só ele é que poderia ter recebido um exemplar do jornal nesse meio tempo, ou então eu não teria a mesma capacidade que ele de estar na FLIP, logo não teria como eu ter recebido um exemplar desse jornal.
Bem, fico com a segunda opção, que me pareceu bem mais óbvia, pela postura egocêntrica da pessoa em questão, já que daí minha ficha começou a cair e comecei a reparar o padrão em outras ações que envolviam o tal rapaz. Enfim… É deste jeito que as coisas se assucedem por infinitas vezes.

Mas, por hora, vamos de poesia, pra exorcizar aquilo que na alma causa rusga.

Essa que lhes apresento, fala exatamente sobre egos que excessivamente me incomodam desde sempre…

Ela chama-se “Sentido da Vida” e foi escrita em janeiro de 2019, durante minhas andanças pelo sertão de Pernambuco, bem na época em que ocorre a Festa de Louro, Festival de Poesia de São José do Egito, festança linda em homenagem ao grande mestre Lourival Batista, e inclusive passou a compor meu primeiro livro de poesias, o “Na Rima da Menina” (Editora Versejar). Em 2020, eu a enviei para João Camacho, que no mesmo dia me devolveu com um lindo arranjo, transformando-a em canção, de modo que na sequência entramos em estúdio para gravá-la e então lançamos um single com ela. Desta forma, além de poesia, ela acabou virando música também.

Sentido da Vida

Aqui nessa mesa eu já me sentei
Pensando na vida, então a esperar
Nas noites de outrora que me levantei
Nos dias de agora afundei sem parar
Desfiles de egos a me enterrar
Sentido da vida que vem me abraçar
Desfiles de egos a me enterrar
Sentido da vida que vem me abraçar.

Nas vidas de dores que eu superei
Desprezo da vida a me socorrer
Nas flores de sempre eu me despertei
Com olhos de choro, querendo o saber
Sabores de amor que eu hei de viver
Sentido da vida que vem me abraçar
Sabores de amor que eu hei de viver
Sentido da vida que vem me abraçar.

É isso, meus queridos e queridas!
Um grande abraço,
Graziela Barduco.

 

 

20 nov

Teodoras lança cordel sobre PAGU na FLIP 2023

De 22 até o dia 26 de novembro, as mulheres escritoras do Teodoras do Cordel, coletivo estadual de cordel feminino do Estado de São Paulo, juntamente aos poetas e poetisas dos coletivos SP Cordel e Cordel Cantante, desembarcam na cidade de Paraty, no Rio de Janeiro, a convite do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), para participarem da 21ª edição da Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) .

Na oportunidade, as escritoras lançarão suas obras individuais e a quarta obra coletiva do grupo, intitulada, “Pagu: Mulher Revolução”, publicada pela Editora Cordelaria Castro, com ilustração de capa de Maria Rosa Caldas, do Selo Pé no Chão.

O evento de lançamento acontece no sábado, dia 25 de novembro, às 16 horas, no espaço do IPHAN, no Areal do Pontal e contará com a presença das escritoras: Edimaria, Cleusa Santo, Lu Vieira, Dani Almeida, Graziela Barduco, Maria Rosa, Maria Clara Psoa e Zenilda Lua.

A obra é um passeio pela vida da célebre escritora, poeta, jornalista, diretora, tradutora, desenhista e cartunista, Patrícia Galvão, mais conhecida como Pagu, homenageada da Flip 2023. Essa, é a primeira obra do Teodoras em formato de folheto. “Neste cordel, somos 16 autoras e, coletivamente, escrevemos nossas estrofes em sextilha, seguindo uma linha do tempo poética exaltando o legado de Pagu, uma multiartista que até hoje emana coragem, sendo símbolo de força e luta feminina”, destaca Graziela Barduco,  integrante da comissão de publicações do coletivo.

O Cordel na FLIP
Em 2018, a Literatura de Cordel tornou-se Patrimônio Cultural Brasileiro. Desde então, o Iphan estimula a presença de cordelistas de todo o Brasil na Flip com a Casa da Literatura de Cordel, promovendo os artistas deste segmento e oferecendo ao público, declamações, rodas de conversa, lançamentos e diversas ações de difusão da Literatura de Cordel a partir da voz de seus próprios detentores e detentoras.

Este será o primeiro ano que o cordel ocupará o Areal na Flip. A extensão da Casa da Literatura de Cordel do Iphan no local está situada na Avenida Nossa Sra. dos Remédios, no Pontal. Em anos anteriores, a literatura de cordel concentrava todas as suas atividades no escritório técnico do Iphan, no Centro histórico de Paraty. “Este ano, foi decidido que além da Casa principal, haverá uma expansão da Casa da Literatura de Cordel, organizada pelo o Iphan, para o Areal, onde haverá uma vasta programação com os coletivos de São Paulo, dentre eles o Teodoras do Cordel, Cordel Cantante e SP Cordel”, explica Edimaria, membro da Comissão Paulista de Cordelistas na FLIP.

Serviço:
Teodoras do Cordel e os coletivos SP Cordel e Cordel Cantante na FLIP 2023
Quando?
De 22 a  26 de novembro das 9 às 19 horas
Local:
Espaço IPHAN no Areal do Pontal
Endereço:
Avenida Nossa Sra. dos Remédios, Pontal, Paraty, Rio de Janeiro.

Confira a Programação Completa do Espaço Iphan no Areal do Pontal:

Quarta, 22/11
17h30 – Inauguração da extensão da casa da literatura do cordel – Espaço Iphan, no Areal do pontal.
Quinta, 23/11
10 às 12h – Microfone aberto
14h – Lançamento: Muska, o Amigo Secreto – Varneci Nascimento (SP Cordel)
14h30 – Lançamento: Retalhos da vida – Maria Clara Psoa (Teodoras do Cordel)
15h – Mulheres cordelistas: poesia e resistência – Érica Montenegro (Recife) (Convidada Teodoras do cordel)
15h30 – Apresentação Musical: A Palavra Despida – Costa Senna (SP Cordel)
16h –  Lançamento: Cosmovisão Karajá – o povo que veio das águas – Tin Tin Alves (Cordel Cantante)
16h30 – Apresentação Musical: Nas Asas da Leitura – Cacá Lopes
17h – Espetáculo Cordel Cantante

Sexta, 24 de novembro
10 às 12h – Microfone aberto
14 horas – Lançamentos: O Machista e a Cordelista e Minhas Curvas de Estimação – Graziela Barduco (Teodoras do Cordel)
14h30 – Lançamento: A criança e o Brincar – Lu Vieira (Teodoras do Cordel)
15h – Lançamento: Clamor Ecológico – Dani Almeida (Teodoras do Cordel)
15h30 – Lançamento: Saudade da Bahia – Chico Feitosa (SP Cordel)
16h- Lançamento: Poemas para adiar o fim do mundo – Moreira de Acopiara (SP Cordel)
16h30 – Lançamento: Pentalogia – João Resplandes (SP Cordel)
17h – Lançamentos: O mundo digitalizado do Reino da Saparia e O festival de inverno do Reino da Saparia João Gomes de Sá (SP Cordel)
17h30 – Apresentação  Memórias & Poesia – João Gomes de Sá (SP Cordel)

Sábado, 25 de novembro
10 às 12h – Microfone aberto
14h – Lançamento: A Boneca Viajante – Cleusa Santo (Teodoras do Cordel)
14h30 – Lançamento: Quatro Faces de Rita Lee – Dani Almeida, Maria Clara Psoa, Lu Vieira e Maria Rosa Caldas (Teodoras do Cordel)
15h – Lançamento: Estradas, Engenhos, Sinas – Aderaldo Luciano (SP Cordel)
15h30 – Lançamento: Expoente da Literatura – um cordel para Maria Firmina dos Reis – Lu Vieira e Luciano Braga (Cordel Cantante)
16h – Lançamento: Pagu: Mulher Revolução – Coletivo Teodoras do Cordel
16h30 – Lançamento: Fazenda Limão – Maria Rosa Caldas (Teodoras do Cordel)
17h – Lançamento: O Cavaleiro das léguas – Aldy Carvalho (SP Cordel)
17h30 – Microfone aberto: música e declamação.

Domingo, 26 de novembro
Programação livre até as 16 horas.

 

14 nov

Sobre Joelhos, Curvas, Coxas e Afins

Hoje me veio novamente à cabeça um episódio que aconteceu comigo há alguns anos. Acredito que muito por conta da triste morte precoce, na semana passada, da influencer e assistente de palco que foi fazer uma lipo nos joelhos e, em decorrência desta cirurgia, teve uma embolia pulmonar e veio a falecer.
O fato em questão foi noticiado nos principais jornais e, assim que eu li no jornal que assino, quase que automaticamente tive a curiosidade de buscar seu perfil nas redes sociais, primeiro porque eu não a conhecia, segundo porque eu não sabia que era possível se fazer uma lipo nos joelhos e terceiro porque não passava pela minha cabeça que pudesse existir uma queixa de que nossos joelhos pudessem também serem “acusados” de gordos. Depois ouvi as explicações sobre a condição vascular crônica chamada lipedema, da qual sofria a influencer e fui entender melhor sobre isso.
Mas, assim que vi suas fotos em seu Instagram, eu fiquei automaticamente em choque, pois me deparei com uma moça extremamente linda, magra, maravilhosa, com um corpo perfeito (incluindo aqui suas pernas e joelhos na minha humilde opinião), uma carreira promissora e de sucesso, e sobretudo que aparentava ser imensamente amada pela família, namorado, amigos e por seus fãs.
Eu fiquei absolutamente entristecida e me perguntando o porquê de coisas deste tipo acontecerem com tanta frequência, sobretudo com mulheres.
Por que o corpo da mulher é sempre alvo de críticas ferrenhas (ainda mais se ela está exposta na mídia) e nunca está bom do jeito que está?
Eu ouvi uma entrevista de uma psicanalista na qual ela dizia que o corpo perfeito para uma mulher é o corpo do homem, porque o da mulher nunca está bom, ao passo que o do homem, não costuma ser bombardeado por essa imensidão de críticas como o da mulher o é. Achei simplesmente genial essa fala dela, pois acredito sim que a crítica é sempre mais pesada sobre a mulher, herança, é claro, do nosso já conhecido machismo estrutural.
Eu li outro dia sobre uma pesquisa feita no ano de 2020, pela Sociedade Internacional da Cirurgia Plástica, que, dentre aqueles que se submetem à cirurgias plásticas, 86,3% são mulheres e 13,7% homens. Acredito que tais índices dizem muito.
Mas voltando ao tal episódio que mencionei que me veio à minha cabeça, do qual comecei este artigo falando sobre, segue o incidente, que me acontecera há alguns anos.
Eu tinha acabado de deixar meu trabalho como editora de vídeo (trabalho este decorrente de minha primeira formação acadêmica, pois sou graduada em Cinema), para trabalhar como modelo e passei a integrar o casting de modelos da Elite Models aqui no Brasil.
Na ocasião, só tinha a pós-graduação em Administração, além da graduação mencionada, bem como tinha voltado a estudar teatro.
Naquele tempo eu estava gostando daquilo, me fazia feliz, eu ganhava bem (bem mais do que na edição de vídeo) e também aquela novidade toda aumentava a minha autoestima, que, diga-se de passagem, nunca fora muito boa.
O fato é que, dentre várias das campanhas que costumava pegar, fui aprovada para uma campanha de uma empresa muito bem conceituada de cama, mesa e banho, com uma temática bem interessante e um cachê bacana também.
Bem, eu cheguei ao estúdio para fotografar muito alegre, como de costume, fui bem recebida, estava trocando ideia com as outras modelos, porém alguns minutos depois, o produtor/diretor de arte veio até mim e disse que precisaria me dispensar do trabalho.
Eu perguntei a ele o porquê da dispensa e ele me disse na lata: “você é linda, mas a sua coxa é muito grossa e isso não é nada chique, então fica fora do padrão para a campanha”.
DETALHE: eles tinham me aprovado para o trabalho com muita antecedência, tinham todas as minhas medidas, várias fotos, todo o meu material, etc e tal.
Na época me lembro que saí destroçada de lá.
Chorei muito, liguei para a agência que também pareceu se indignar (ou pelo menos fingiu muito bem, porque atitude mesmo para solucionar o embate não tomou), liguei para meu marido me buscar, fiquei mal pacas e tudo o mais.
Bem, não por acaso, essa história voltou-me à cabeça ao ver o acontecido com a influencer que teve este final tão triste, bem como não foi à toa que recentemente senti a necessidade gigante de publicar um cordel intitulado “Minhas Curvas de Estimação”, que é um dos meus mais novos lançamentos, e que fala exatamente sobre toda esta temática abordada aqui neste artigo.
Ele nasceu enquanto uma espécie de manifesto da mulher que não admite que qualquer padrão de beleza lhe seja imposto e que entende que seu corpo é lindo à sua maneira. É um cordel de autoaceitação e de empoderamento feminino, bem como de cura interior, da menina que já fora machucada com palavras que lhe perfuraram a alma por não estar com o corpo dentro de um padrão de beleza a ela tantas vezes exigido.
Seria um sonho se pudéssemos ser e simplesmente ser, cada qual à sua maneira, bem como contribuir com o mundo das mais variadas formas possíveis, para além da casca que nos é imposta.
Enquanto isso, sigo aqui na minha batalha para que tais amarras sejam cada vez mais e mais eliminadas, de modo que se faça presente “o ser de verdade e a verdade no estar.”:

Outrora tive dúvidas tão selvagens
Sentia o corpo jogado às margens
E a alma um tanto despercebida
Dor mais cruel de minha vida

Cavei um buraco um tanto fundo
Inverti e devastei todo meu mundo
Rabisquei meu diário favorito
Soterrei o que tinha de mais bonito

Eu tinha um sorriso curto
Eu falava tão mais livremente
E a amargura me provocava surto
E o corpo comunicava descrente

Então me vejo tão tímida agora
Eu não era assim, eu fui embora
Ao fugir da arrogância de certo olhar
Meu livre discurso estava a minguar

E me deparo com uma leveza que cura
Com a maravilha de uma alma pura
Mergulho profundo no céu encantado
Saltei do buraco que havia cavado

Meu discurso hoje é movimento
Meu saber está neste mais puro olhar
Trabalho a escuta do pensamento
Compartilho a essência do que é amar

Curtas palavras, longos sorrisos
É desta forma que quero propagar
A delicadeza sem tantos avisos
O ser de verdade e a verdade no estar.

Com carinho,
Graziela Barduco.

04 nov

A Desunião Cordelística

Estava acompanhando uma discussão acerca de um Congresso de Cordel que acontecerá na Casa de Rui Barbosa no Rio, ainda neste mês de novembro.
Achei magnífica a ideia de se ter um congresso sobre cordel, sendo este intitulado como o “I Congresso Brasileiro de Literatura de Cordel”, inclusive por ser sediado em uma casa que possui um dos mais importantes acervos de cordel do mundo e inclusive por ter artistas e pesquisadores, em sua grade de convidados que eu muito admiro.
No entanto, esta informação de que este congresso aconteceria, não chegou formalmente a muitos cordelistas, cantadores (as), xilogravadores(as) e pesquisadores do assunto, o que acabou causando muita estranheza e abrindo um ponto para debate em um grupo de discussão no WhatsApp sobre o Movimento do Cordel Brasileiro.
A pauta inicial para discussão neste grupo era a falta de um comunicado oficial a um maior número de cordelistas, cantadores (as), xilogravadores (as), editoras, coletivos de cordel, pesquisadores e afins, acerca de um evento de tamanha importância, realizado pela Fundação Casa de Rui Barbosa em parceria com a Secretaria de Formação, Livro e Leitura e Secretaria de Cidadania e Diversidade Cultural do Ministério da Cultura.
Em um segundo momento, houve também um questionamento sobre a curadoria do evento, que, além de escolher os nomes que brilhantemente compõem a grade do evento porque são nomes que tem amplas pesquisas na área e um trabalho exímio a frente do campo cordelístico, outros nomes poderiam ser também agregados, visando a diversidade e inclusão num evento que promete ser o “I Congresso Brasileiro de Literatura de Cordel” (e aqui a ideia era agregar mulheres, indígenas, negros, deficientes, pessoas LGBTQIAPN+, etc).
Posto isso, durante a tentativa de debate, reflexão e diálogo com os responsáveis pela realização do evento para que tais pontos fossem olhados com mais cuidado na organização e divulgação de um evento de tamanha importância e necessidade, passei a me assustar com algumas (muitas) colocações.
Às vezes, as lutas se enfraquecem e se perdem, se dissolvendo ao vento, principalmente quando todas as pessoas estão do mesmo lado e por um mesmo ideal e insistem em achar que estão de lados opostos.
Muitas vezes as lutas se diluem porque algumas pessoas apenas querem intriga, jogar uns contra os outros, normalmente tentar rivalizar dois que estão pelos mesmos princípios, sem perceber que todos assim saem perdendo.
Neste grupo de WhatsApp eu sou praticamente invisível, uma ninguém, talvez porque eu seja uma “paulistinha idiota” que escreve Cordel e pergunta “que horas é a reunião” e a grande mestra que conduz o grupo não é capaz de responder.
Talvez porque ninguém saiba da minha luta e aos olhos do povo de lá eu seja uma “fraca” porque luto em coletivo e não sozinha.
Mas é que a minha avó me ensinou que a casa cheia de mulher “trabalhadeira” sempre anda nos conformes e que na hora da refeição todo mundo senta na mesa independente de quem seja você.
Hoje não participarei da reunião porque acredito que a luta daquele grupo de WhatsApp já se deturpou.
O mote? Já glosei. Quem quiser que leia. Já até publiquei!
Obrigada!

 

03 nov

Sobre sentirmos pertencentes a determinados grupos.

Desde que me entendo por gente, sempre me vi “associada” a algum grupo.
Na primeira infância, eram as amiguinhas da pré-escola (grupo este que por sinal dura até hoje).
Depois vieram os grupos de dança, teatro e também de fãs dos artistas que gostava.
Na faculdade, vieram os grupos sobre cinema, literatura, teatro novamente e os grupos de arte em geral. Ahhh, escondo aqui os grupos das salas de bate-papo do UOL (quem lembra? Misericórdia!!!!! Rs!!).
Depois me lembro dos grupos de trabalho, primeiro os de produtoras de cinema e audiovisual em geral, depois novamente de teatro, artes plásticas e arquitetura.
Daí veio o mundo da moda e então os grupos sobre moda, publicidade, cinema, TV, webserie, castings, agências de moda e de atores e atrizes.
Então montei minha cia de teatro e voltei pra academia com as pós-graduações e mestrado em teatro, e então vieram os grupos de teatro, de discussão sobre o fazer teatro, os desdobramentos da cena contemporânea, dentre inúmeros outros grupos, até que, por fim, por conta do tema de meu mestrado, totalmente focado na cultura popular brasileira e que fez com que eu mergulhasse de vez no universo da literatura, eu passasse a fazer parte de grupos sobre literatura, cultura popular brasileira, cena literária atual, além de teatro contemporâneo, a contemporaneidade na escrita autoral e por fim em uma porção de grupos sobre cordel, assunto pelo qual sou totalmente apaixonada, já que acabei me tornando uma cordelista das boas, embora nem todos sejam capazes disso admitir.
Tudo isso pra dizer que hoje me peguei “discutindo” com uma pessoa a quem muito estimo e respeito porque ela dizia que lutava sozinha já que era forte, e eu dizia que lutava em grupo porque talvez fosse fraca pra lutar sozinha.
Mas daí fiquei pensando e repercutido isso em mim: se tenho a disponibilidade e a generosidade de lutar de mãos dadas com outras pessoas, isso jamais se daria porque sou mais fraca do que quem trava sua luta de forma solitária. Muito pelo contrário. Se permito que ao grupo minha luta chegue junto, é porque aprendi a amplificar minha força, sempre sublime e exuberante, através da união de outras forças, assim igualmente sublimes e vivazes, de modo que uma potência sem igual possa de forma invencível se desenhar.

E bora de poesia pra brindar a coletividade, com mote da cordelista e doutora Paola Torres: *Imagina o Brasil ser mais unido / E o cordel ser a voz da nossa gente!*:

Já faz um tempo que cá eu percebo
Uma panela que tanto persiste
O caso além de ser sério é triste
É algo que nem sequer eu concebo
Dessa fonte eu realmente não bebo
Mesmo que às vezes me sinta impotente
Sigo com aquilo que é condizente
Pois eu sou parte do povo excluído
“Imagina o Brasil ser mais unido
E o cordel ser a voz da nossa gente!”

Um abraço, queridos e queridas!
Seguimos fortes, unidas e unidos,
Graziela Barduco.

12 out

Machismo no lançamento de “O Machista e a Cordelista”

Vocês acreditam que eu sofri machismo enquanto lançava “O Machista e a Cordelista” no espaço do Sesc na Bienal do Livro de Pernambuco?
Eu até agora estou sem acreditar, porque foi uma cena muito surreal.
Estávamos no meio de um painel de mulheres, do qual eu fazia parte com meus cordéis que eram lançamentos, e no qual também estavam presentes a cordelista maravilhosa Gracie Castro, responsável pela Cordelaria Castro, editora pela qual lanço todos os meus cordéis (mais para frente se juntou a nós também a Kelmara Castro, responsável por todas as xilogravuras dos meus cordéis) e ainda estávamos com a presença honrosa de Dona Deo do Coco, uma grande mestra da cultura popular brasileira, nos encantando com suas maravilhosas canções. Uma mesa linda, montada carinhosamente pela querida Adriana Mayrinck, da In-Finita Portugal, que nos recebeu com tanto amor.
Eu estava terminando de falar sobre “O Machista e a Cordelista” e em seguida Dona Deo já engataria mais um coco lindo, com Katia sua produtora acompanhando no pandeiro, eu no caixixi e todo mundo ali cada vez mais maravilhado com essa senhora de oitenta e poucos anos tão sábia, linda, talentosa e brilhante.
Enquanto eu falava, surgiu uma criatura com um violão e uma caixa de som, e foi se achegando, ali para perto do palco. Eu até pensei que pudesse ser algum músico de Dona Deo, pra estar assim subindo no palco no qual nos apresentávamos.
Eu terminei de falar e me sentei, Dona Deo então começou a cantar e este homem do violão começou a tocar por cima da música dela, a atrapalhando completamente.
Um outro homem me pediu meu microfone, achei que fosse algum técnico do Sesc e entreguei a ele.
A organizadora, meio que sem entender direito, pediu para que o homem do violão deixasse Dona Deo tocar só com a percussão e assim foi.
Logo que esta canção de Dona Deo se encerrou, o homem que havia pego o microfone da minha mão colocou-se a cantar (ele tentou me calar quando pegou o microfone da minha mão?), o do violão desafinado colocou-se a tocar. Todos por cima de Dona Deo.
Katia a retirou do palco. Gracie e eu ficamos. Eu me levantei com meu cordel “O Machista e a Cordelista” em punho e o palco assim ficou dividido: de um lado Gracie e eu, do outro “os invasores”. Um outro cantador emendou na cantoria do primeiro, até que pararam para receber aplauso e eu perguntei:

– O que é isso? É machismo que estou sofrendo? Estou aqui lançando meu cordel “O Machista e a Cordelista” e Dona Deo está aqui neste palco se apresentando com suas canções. Como vocês invadem nossa apresentação no meio e começam a tocar?

Bem, não souberam responder e se retiraram.
Dona Deo voltou ao palco e seguimos nossa apresentação até o final, como se nada tivesse acontecido e em seguida começou a apresentação que estava anunciada na programação como posterior a nossa apresentação, tudo conforme a programação oficial, no site da Bienal e no site do Sesc.
Mas eu juro, foi uma das coisas mais surreais que já vivenciei em toda a minha vida e só me dá a certeza absoluta de que estou no mais correto e certeiro caminho quando decidi por lançar “O Machista e a Cordelista. Acho que nunca recebi um sinal tão claro e tão ilustrativo assim.

E bora de poesia, pra digerir o ocorrido.
Eu acho que já compartilhei essa com vocês, mas dadas as circunstâncias, super preciso mandá-la novamente. Cai como uma luva!

Lutei contra 100 leões
Todos os 100 eram jumentos
Quando em meio aos tormentos
Fui buscar boas lições
Mas só vi aberrações
Que sentiam-se divinas
Boicotando as meninas
Pra sentirem-se potentes
Porém, saibam, seus dementes
Macho nenhum me domina.

É isso! Sigamos firmes!
Um abraço,
Graziela Barduco.

06 out

O Machista de “O Machista e a Cordelista”

Olá, pessoal!

Eu sei que não é usual eu publicar dois artigos na mesma semana, aqui na minha coluna, mas a vivência do dia me rendeu um excelente textinho que gostaria muito de compartilhar com vocês.

Hoje venho falar do machista, personagem do meu cordel “O Machista e a Cordelista”, que, como já falei algumas vezes, é um personagem real. Este rapaz em questão, há alguns meses, me bloqueou de seu Facebook, bem antes de eu pensar em escrever meu cordel sobre ele, qdo postou um texto por lá, dizendo que achava que o papel do homem no desenvolvimento de um filho, assim que uma mulher engravidava era praticamente nulo, porque o homem é somente um doador de esperma e a mãe é que é a verdadeira responsável por toda a concepção do bebê, e eu retruquei achando um tremendo absurdo. Depois de um tempo, resolvi bloqueá-lo de meu Instagram, pois só servia pra me bisbilhotar e isso de nada me contribuía, haja vista a forma machista com que por lá se exibia também.
Pois bem, na semana passada, eu soube por um amigo em comum, que ele publicou um novo livro, depois de um primeiro que eu havia lhe ajudado a publicar, quando esse amigo fez propaganda dessa nova publicação. Fiquei curiosa e fui atrás do livro, que ainda nem lançado foi, mas consegui com a editora. Era até um livro que ele já havia compartilhado comigo o miolo dele e apenas agregou a esse material alguns outros contos. E pasmem: material altamente machista, disfarçado de “autoficção do absurdo que critica, com ironia, temas politicamente incorretos”, como diz em sua sinopse, claramente para que ele não seja digamos que cancelado pelo leitor.
Eu confesso que depois de um tempo, fiquei até com dó e ao mesmo tempo achei interessante esse seu empenho e coragem de bancar essa nova publicação. Resolvi então dar uma segunda chance na amizade, chamar para conversar sobre o livro, entender essa “autoficção do absurdo que critica, com ironia, temas politicamente incorretos” e também entregar-lhe em mãos o cordel “O Machista e a Cordelista”, explicando com paciência o meu lado, e como me sentia para ter feito tal publicação, na esperança de acertarmos os ponteiros e seguirmos em frente, sem mágoa, afinal, mágoa nenhuma faz bem, e também para que tais conceitos e atitudes ruins e pejorativas que vejo em sua obra pudessem continuar a ser desconstruidas.
Então mandei uma mensagem pelo WhatsApp (único canal não bloqueado) com a foto do livro dele e perguntando se podíamos conversar e tomar um café. Não obtive resposta. No outro dia, resolvi passar na portaria dele com dois cafés, o livro dele e o meu cordel. O porteiro, um fofo, que sempre recebia os livros que eu deixava na portaria para ele ler, interfonou feliz, e quando voltou a falar comigo já estava com a cara de super constrangimento, dizendo que ele não estava, que só estava a faxineira. Eu perguntei se podia esperar ele voltar. Ele interfonou novamente e gaguejava dizendo que ele tinha saído cedo e viajado pra praia. Bem, voltei pro carro e mandei mensagem dizendo: “seu porteiro mente muito mal, vc pode descer antes que o café esfrie?” E mais várias outras mensagens. Ele entrava online, visualizava e nada dizia. Então resolvi escrever assim:

“Bem, creio que realmente não esperava mais de vc do que isso. Obrigada por mais uma vez me mostrar quem vc de verdade é. Segue o pdf do meu novo cordel, que estou lançando nas principais bienais, flip e outros eventos. É sobre vc. Eu gostaria de te explicar pessoalmente, pra que não lhe seja um insulto. Mas explica sobre como me sinto, me senti. Hj mais uma vez me sentindo a partir de como vc trata as pessoas (mulheres em geral). Gostaria de explicar pessoalmente, mas não me foi dada a oportunidade. Bem, acho que é isso. Adeus. Adeus, pra todo o sempre.”

E então o bloqueei, finalmente no WhatsApp também . Vida que segue. Sinto que fiz minha parte. E agora estou mais leve por não sentir que estou falando pelas costas de um tal alguém.

E bora com um trechinho do meu cordel “O Machista e a Cordelista”:

Esses dias li um texto
No qual o rapaz falava
Que o pai de uma criança
O próprio esperma doava
E depois era com a mãe
Nada mais lhe importava.

Questionei a alegação
Que me veio como um tiro
Não há nada mais machista
Quase que nem mais respiro
Ele então me bloqueou
Assim não mais interfiro.

E lembrei de outros textos
Sobre bundas de mulher
Tratadas como objeto
Altas, magras que ele quer
Mesmo que seu tipo físico
Não seja “padrão” sequer.

Homem pode não cuidar-se
Mulher tem que andar na linha
Se é “feia”, é amiga
Se trata bem, é galinha
Assim o machista pensa
Com a fala tão mesquinha. 

Beijos de luz, meus amores!
Graziela Barduco.

02 out

O Telefone que Gera Falhas de Comunicação

Olá pessoal!

Espero encontrar-lhes bem. E espero também que estejam hoje com vontade de me ouvir (ou melhor, de me ler).
Eu e minha eterna necessidade de ser ouvida…
E agora a novidade é que essa necessidade passou a vir atrelada a um desejo um tanto inusitado: passei a nutrir uma vontade gigante de arrancar os celulares das mãos das pessoas e fazer a famosa e antiga “voadora” com os tais objetos, vítimas de meu ódio repentino, ou seja, fazê-los voarem para bem longe!
Sim, porque as pessoas não escutam mais umas as outras e, se escutam, não prestam a menor atenção.
Elas estão tão focadas no maldito aparelhinho, a ponto de você dizer: “meu cachorro morreu”, e elas balançarem a cabeça entusiasmadas, concordarem com você e na sequência ainda rirem, porque estão na realidade concordando com o conteúdo do maldito aparelhinho em questão, não com a morte de seu cachorro, sobre a qual eles nem ao menos chegaram a ouvir.
Mas aí eu me dou conta de que se eu resolver de fato arrancar o “malditinho” de vossas mãos e atirá-lo para longe, como é que vocês irão ler o que estou escrevendo neste exato momento? Aliás, eu estou escrevendo através do meu próprio “malditinho”, porque meu notebook está carregando lá no quarto.
Enfim, claramente o problema não está no pobre do celular (não tão pobre assim, né, haja vista o amiguinho da maçã mordida: Misericórdia!). Ok, voltemos.
Prosseguindo, a confusão toda está obviamente relacionada ao uso que fazemos do nosso querido celular.
Se há uma solução específica para tal embate? Penso que seria somente a ponderação, assim como para praticamente tudo nessa vida, já que a cada dia estou mais convencida de que o grande “segredo secreto” da nossa existência é o equilíbrio, que, na maioria das situações, é bem difícil de se alcançar. E se alcançado, é bem complicado de nele permanecer. Porém, sigamos na luta, né?
Beijos de Luz!

Ah, não! Espera! Vamos de poesia, pra equilibrar:

Eu me sinto tão sensível
E já fico assim sem chão
Ao dizer o indizível
Ao fugir da negação
Meu passado é combustível
Meu presente, indagação.

Agora sim! Um grande beijo e até a próxima publicação,
Graziela Barduco.

 

23 set

VERA, a prima de Zé

 

VERA, a prima de Zé

Vera não tinha irmão, nem irmã. Ela nasceu em 23 de setembro de 1934 e segundo o pai, Seu Tonho da Bodega, foi o ano em que “…o tal do Getúlio deu um jeito de ficar mais um tempinho no poder e inventou a Constituição do Brasil, que de pouca coisa me serve.” Bradava ele, sempre nesta mesma data. Outra coisa costumeira realizada no referido dia, era o tradicional bolo de milho de Passira, recheado com Goiabada Cascão que sua Mãe, Dona Dalva de Seu Tonho da Bodega, produzia todo ano para comemorar o aniversário da Filha. Ela distribuía para quem passasse na Bodega naquele dia, em graças à Santa Maria. Mas esta era uma primavera especial, Vera iria fazer 15 anos e de jeito nenhum queria bolo de milho, que era coisa para as crianças se lambuzarem. Não importava se o município era a Terra do Milho e nem que fosse para pegar briga com a própria Santa, ela não queria saber de milho! Seu sonho era um bolo diferente, um bolo sabor chocolate, com muitas frutas coloridas por cima, assim como tinha visto na revista vendida na Bodega do Pai.

Depois de Vera, que veio ao mundo “…por um milagre de Santa Maria e das mãos da Cachimbeira da Serra!” como repetia sazonalmente Dona Dalva, que antes de casar era “Dadá da Renda de Bilro”, engravidou apenas mais uma vez. Porém perdeu os gêmeos depois de “um passamento” que acometeu a rendeira. Segundo se conta no povoado, foi a tristeza de descobrir “as safadezas” de Tonho na rua do Boqueirão, que a deixaram doente e acamada. Na hora do parto, Tonho não deixou a Velha Parteira ajudar por birra e chamou o Dr. Gilberto para tirar a criança. O quadro de Dalva se agravou e quando o médico descobriu que eram gêmeos, já era tarde demais. No momento de desespero, Dr. Gilberto, que nunca revelou a Dalva qual teria sido a doença dela, perguntou a Tonho para escolher entre a Esposa e as crianças, e Tonho escolheu a esposa. Depois de um tempo ele também adoeceu e mudou de comportamento. Ficava falando sozinho pelos cantos da casa, repetindo “eram dois meninos, eram dois meninos, eram dois meninos…”.

O tempo passou e Tonho se curou, a bodega começou a prosperar e Vera foi crescendo junto com os negócios do Pai. Seu Tonho era conhecido por ser um exemplo de homem dedicado ao lar, à Esposa e à Filha. Em casa era “quase um padre”, segundo Dona Dalva, dedicando-se inteiramente à educação de Vera e às suas negociatas. Segundo ele, Dalva, como mulher, já tinha sido agraciada por Deus com a vida que tinha e não precisava de mais nada além de seu arrimo, contas pagas e prosperidade da família. A obrigação dela era cuidar de Vera dar-lhe boa educação e tudo necessário para a conquista de um bom casamento. Preferivelmente, com algum parente rico ou rapaz de boa família da região, e que mereça o dote de Vera. Ali no povoado de Pedra Tapada todos sabiam dessa história: O dote de Vera, a castidade de Seu Tonho da Bodega e a beatice de Dadá da Renda de Bilro.

Do balcão da Bodega de Seu Tonho, Vera ficava olhando o mundo passando à sua frente através da contraluz daqueles dois pares de portas abertas. O mundo era refletido como uma tela de cinema, que só sabia da existência por conta das revistas que viam de Recife, e eram trazidas por outro Tonho, Seu Tonho Cantador. “Caixeiro de muitas estradas” como se dizia, animava a Bodega às sextas-feiras no fim da tarde, a cada exatos sessenta dias. Todos esperavam com ânsia, a hora de ir para Bodega escutar as histórias dos filmes que assistia, ouvir sobre os causos dos encantados, escutar canções satíricas em um idioma estranho que ele dizia ser inglês. E tinha também os momentos mais vibrantes, quando declamava folhetos de cordel escritos por variados nomes da época. Vera tinha o seu poeta preferido. Ela gostava de ouvir as criações e enredos absurdos do poeta de Teixeira, Zé Limeira, e sonhava um dia poder viver e até mesmo escrever roteiros de suas ideias absurdas. Ela ria discretamente, mas por dentro sua cabeça se enchia de possibilidades e invenções.

Às vezes, o Cantador pedia a Vera para ler alguma notícia de revista ou de um jornal, mas por ser muito acanhada, ela sorria tímida e respondia balançando a cabeça de um lado a outro nervosa, em negação com o rosto ruborizado, e se encolhia por trás do balcão. Porém quando ficava sozinha, entrava em seu mundo imaginário e lia os textos em sua mente, como se fosse uma história de sua vida própria. Ela se transformava em uma das atrizes do rádio e com voz aveludada respondia ao repórter todas as perguntas.  Ela amava fantasiar isso, pensar em ser famosa, ir para o cinema e atuar em vários papeis, como a moça do Circo que passou pela cidade atuava. Seu nome era Sabrina. Sabrina fazia de um tudo um pouco no picadeiro e fora dele. Era bailarina, palhaça, trapezista e se equilibrava em cima de um cavalo! Certa tarde, durante a temporada da companhia no povoado, Sabrina foi à Bodega e conquistou a amizade de Vera, contando suas peripécias pelo meio do mundo. Contou também dezenas de histórias sobre os lugares e as pessoas mais estranhas que havia conhecido. Foi com ela que Vera soube sobre homens, das intimidades entre homens e mulheres, e entre mulheres e mulheres, e entre homens e homens. E foi para Sabrina que Vera falou pela primeira vez sobre seu primo Zé.

A Bodega era o ponto de referência e ponto de encontro de várias pessoas do povoado. Eles vinham desde comprar um picolé, a um rói-rói, encomendar queijo coalho, ou jogar bilhar, tomar cachaça ou comer bolo de rolo. Era uma Bodega de vender parafuso de cabo de serrote, “de tudo tem um pouco e se não tiver, mando trazer”. Essas palavras estavam entalhadas em uma placa de madeira na parede principal da Bodega. Era a frase estímulo das vendas de Seu Tonho, seu conhecido bordão. Vera estudava pela manhã e todas as tardes durante a semana, e até às duas horas da tarde do sábado, trabalhava na Bodega e ajudava seus pais. A Bodega funcionava das sete da manhã às sete da noite. E esse era o horário régio de todo o povoado. Nada acontecia depois das 19h. Todos se recolhiam neste horário e ficavam em casa à noite. Essa rotina só mudava no domingo, em que o povo ficava na rua até 20h, por conta da difusora local que costumava tocar hinos na Praça da Matriz após a missa. Depois da hora grande, era quando não se via viva alma nas ruas, pois eram horas das “almas mortas”, dito popular do lugar.

Do balcão da Bodega Vera ficava pensando nessa vida toda do mundo e na vida de todo mundo. Juntando os pedaços e as partes coletadas e montando a outras alternativas. Era seu jogo de “se fosse assim”. Tudo começou com a morte de seus irmãos. Ela tinha cinco anos quando aconteceu e quando completou sete, a sua mãe contou a história toda. Por conta das fofocas e reinvenções do povo do lugar e para impulsionar Tonho na processo de sociabilização depois do trauma. Isso marcou demais a vida de Vera, que passou a fazer tudo para nunca decepcionar seus pais. Porém ela queria uma outra vida e isso estava gritando dentro dela, pois era coisa de Limeira, um absurdo! Ela nunca falava com ninguém sobre as suas intimidades. Nem com as colegas do ginásio, que eram tão próximas e nem com suas primas mais chegadas. Só conseguiu com uma pessoa distante, estranha e que não tinha medo de viver do seu jeito. Vera queria saber qual era o jeito dela próprio. Antes de viajar, Sabrina foi se despedir de Vera, que confessou ter encontrado uma irmã nela. Sabrina pediu a Vera que prometesse seguir seus sonhos e impulsos. Falou para amiga conversar com seu primo Zé e revelar o seu amor por ele. “Quem sabe também podes encontrar uma boa amizade”, aconselhou Sabrina.

Primo Zé, tinha um ano a mais que Vera e era filho do primo do Seu Tonho da Bodega, Tio Romão. Com o dinheiro que pegou emprestado do primo bodegueiro, Romão montou uma oficina de consertos de bicicleta em frente a bodega do primo. Também havia prosperado e comercializava peças para todas as localidades. Vera cresceu vendo Zé ali na sua frente, fugindo das responsabilidades e brigando com pai e com a mãe o tempo todo. Zé era repetente na escola e não queria saber de estudar. Ele brincava com isso: “Sou repentista, gosto de repetir”. Ora passava o dia tocando a viola que comprou de Tonho Cantador, ora andando de bicicleta pelo meio do mato, ora estava na nascente do Capibaribe deitado, inventando histórias absurdas e atirando de badoque nas juás . Por sinal era assim que ele se virava. Montou a sua própria bicicleta com as peças que sobrou da oficina do Pai. Catava as frutas que sobravam das colheitas e vendia na Feira do sábado. Rodava as localidades cantando, declamando cordel em troca de comida. Zé entrava na Bodega feito um relâmpago e gritava “Prima Vera, flor do dia, dou a ti minha poesia” e entregava um livreto que havia comprado em algum lugar. Ou podia ser uma flor, ou um confeite açucarado. Sempre tinha um mimo para a prima, o que a deixava sempre muito envergonhada, e Zé saia rindo da Bodega zombando do rubor de Vera. Zé trabalhava tanto e se virava. Mas, para as pessoas do Povoado, isso não era atitude de quem quer ser gente na vida. As palavras de Sabrina fervilharam em sua cabeça e ela decidiu que no dia de seu aniversário, na sexta-feira próxima, ela iria revelar suas intenções para primo Zé.

O dia 23 chegou e todo mundo da escola havia lhe felicitado pela manhã. Era dia de cantoria e poesia, Dia de Bodega e certamente Zé iria aparecer naquele fim de tarde. Naquela manhã, sua professora falou para sua turma do colégio o que era equinócio,  explicando o fenômeno de quando o dia e a noite tinham a mesma duração. Olhando as sombras reveladas pelo sol vespertino, olhando como se movimentavam, Vera refletiu. “Sempre ouvi falar que temos uma sombra interna. Uma outra personalidade monstruosa que não pode ser revelada e que deve ser contida e calada. Em determinado momento do dia mesmo ficando em pleno sol, tem um breve instante em que não provocamos sombra alguma. Somos apenas luz. E em outro em que somos apenas sombra. Isso é equilíbrio. Será que um dia poderemos controlar nossas sombras e luzes, nossos dias e noites interiores e sermos equinócios felizes?”

Em suas recriações, “se fosse assim”, Vera criava narrativas com Zé de variados formatos e enredos. Naquele dia, estimulada pelos assuntos de sala de aula, ela fantasiou mais um: ”Eu e Zé somos noite e dia. Ele é da rua e eu sou da Bodega. Ele canta e eu me calo. Nós poderíamos ter quatro filhos. Duas meninas e dois meninos. Uma menina danada, e um menino danado. Uma menina quietinha e um menino quietinho. Ele podia virar um caixeiro, tal Seu Tonho e viver fazendo o que gosta e eu ficaria em casa fazendo minhas rendas e cuidando de nossa pequena rocinha. Iríamos envelhecer e ficar na calçada conversando com o povo até anoitecer todos os dias. Sábado iríamos fazer feira, domingo iríamos à missa e depois para casa de algum filho ou filha. Ficaríamos assim eu bordando e falando da vida, ele tocando a violinha e contando os causos, até chegar nosso dia. Ele morreria de dia e eu de noite, com mais de cem anos. Todos comemorariam nossa partida felizes, em meio aos nossos netos e bisnetos saudáveis, prósperos e comendo bolo de chocolate com frutas em cima.

A noite cai e todos já estão bem envolvidos com Tonho Cantador e suas novidades, mas nada de Zé. Ele tinha brigado dois dias antes com seu pai, coisa de rotina e Vera não se preocupou. As entravam na Bodega e cumprimentavam Vera, ansiavam pela festança que Seu Tonho prometeu para todo mundo no dia seguinte. Ele havia organizado tudo para o evento, convidou famílias importantes e com possíveis varões para cortejar sua filha. Que pressão na cabeça da sonhadora. Se Zé aceitasse seu amor, Vera estaria disposta, com todas as forças, em assumir tudo no meio da festa, depois que cortarem o bolo de chocolate. Em seu plano perfeito, ela iria oferecer o primeiro pedaço de bolo ao seu amor, seu primo Zé e revelaria sua paixão escondida. Seu Pai poderia morrer de um ataque cardíaco e ou voltar a ficar louco de vez que ela não iria se desistir em sua missão: ser feliz com Zé. E era esse o único presente que desejava na vida. E não importava o que falassem, estava determinada a cumprir seus objetivos. “Mas cadê Zé que não aparecia nunca?”, ficava se perguntando.

Em um determinado momento da cantoria, Dona Dalva mandou chamar Vera às pressas para sua casa, para resolver um assunto emergencial da debutante. Vera pede licença aos presentes e vai para casa. Ao entrar na sala, ela viu a mãe com o seu vestido de debutante na mão pedindo para que vestisse. Quitéria, a costureira, precisava abainhar na altura certa e lembrava: “Tonho detesta vestido curto demais, e não importa se já são 15 anos, o que está certo, está certo.” Já adiantava Dona Dalva aos berros, certamente já cheia das fofocas e conversas fiadas de Quitéria. Vera foi para seu quarto e enquanto colocava o vestido, escutou Quitéria contado a sua mãe: “Como eu estava lhe dizendo, Ele deixou uma carta para ao Pai e outra para a Mãe, escrita toda em poesia. Coisa mais linda de se ver Dona Dalva. Ele é um menino bom só não ganhou juízo. Quem sabe a vida vai lhe ensinar?.” Dona Dalva responde: “Eu espero que não me chegue amanhã aqui, esse tipo de rapaz. Minha filha merece coisa melhor e vai ter. E eu ainda tenho que respeitar, já que é da família. E essa menina que não vem? Veraaaa”. Vera saiu do quarto sem entender nada, porém muito curiosa por saber quem seria esse “Ele” falado. Depois dos acertos de Quitéria, Vera retornou à Bodega e encontrou seu Pai já colocando os últimos clientes para fora. Tonho Cantador não estava mais e Vera perguntou a seu Pai sobre ele, com a esperança de saber notícias de Zé. “Oxe, pois Tonho foi agorinha, e desejou para ti o melhor dia da vida. Ah, Ele deixou esta revista como regalo para ti também.” Informa seu Tonho.

Em seu quarto, com bobes na cabeça em preparação para a grande evento, Vera se “assuntava” se Zé iria aparecer no outro dia, tal como um raio virado na pimenteira e iria abraçá-la como sempre fazia e no meio da festa iria declamar um cordel só seu. Em meio a esse pensamento-fantasia, Vera folheou a revista e percebeu uma pequena folha dobrada. Abriu e viu os rabiscos de seu primo: “Querida prima Vera, minha flor do dia!  Feliz aniversário. Promete para mim que vais aproveitar a tua vida e viver além das portas dessa bodega velha. Minha irmãzinha, confesso que amo Sabrina e vou embora com ela viver do circo. Um dia eu volto e trago um bolo recheado de todos os chocolates do mundo e coberto com todas as frutas que eu poder conhecer pela vida. Zé”.

MR – 23 set 23

 

 

16 set

Redes Sociais X As Feridas da Alma

Olá leitoras e leitores,

Dizem que nas redes sociais só mostramos as coisas lindas, maravilhosas e romantizadas, e concordo com isso, já que usamos tal ferramenta enquanto uma espécie de vitrine, logo expomos o que queremos imprimir de melhor aos olhos dos outros.
Desde que fui mãe, procuro viver intensamente essa nova função, até porque ela foi extremamente planejada e desejada, e veio na minha maturidade enquanto mulher, já que estou com 41 anos de idade e sou mãe de um bebê.
Consegui voltar a trabalhar muito rápido, sem ficar muitas horas longe do meu bebê por conta da minha maravilhosa rede de apoio, e por causa do meu tipo de trabalho: sou escritora, artista, vivo da arte.
Tenho a possibilidade de fazer home office, tenho a possibilidade de levar meu bebê pro meu escritorinho, tenho a possibilidade de levar meu bebê em minhas viagens e em meus eventos, porque meu marido também faz home office desde a pandemia e pode estar sempre comigo e com meu bebê.
Meus pais são super presentes na minha vida e sempre que preciso de auxílio também ficam com meu filho. No mais, a escola do meu filho é simplesmente perfeita! Ele entrou lá assim que começou a andar, eu super confio neles e ele ama as professoras, os amiguinhos e amiguinhas e toda a equipe que lá trabalha.
Dito tudo isso, parece que vivo em um mar de rosas, né? Mas não! Eu sofro de depressão severa e ansiedade aguda (com crises terríveis), que até agora estava tudo muito bem controlado com medicações corretas, terapia e sobretudo o exercício diário de respeitar meu tempo e minhas limitações.
Pois bem, nesses últimos dias cometi o erro de não me respeitar em alguns limites, um pouco com medo da desaprovação do outro, um pouco porque achei que daria conta. Um outro pouco porque tentei falar das minhas limitações pro outro que parecia entender e acolhê-la, mas que no segundo seguinte continuava com a demanda outrora exigida, como se não tivesse ficado claro o que eu havia falado, e eu ali com medo de decepcionar… Enfim…
E as consequências de eu não respeitar meus limites e limitações acabaram sendo terríveis.
Mas a gente disfarça e faz story, e um post aqui, um reel ali, um vídeo acolá pra tentar seguir em frente e deixar a vitrine sempre arrumada.
No mais a gente se depara com os eventos da vida real, os presenciais, daí toma remédio, passa maquiagem, lembra que é atriz, está com a rede de apoio e tudo vai se desenrolando perfeitamente, mesmo que a cabeça esteja bagunçada e o coração partido em mil pedaços.
E você começa a pensar nos conceitos tão em voga na contemporaneidade, tão em alta nas redes sociais tais como “reciprocidade”, “sororidade”, “solidariedade”, “empatia”, “suporte”, “apoio”, mas que na vida real você se dá conta de que as pessoas usam ZERO vezes com você, mesmo quando você já usou cinquenta com elas.
Então você olha pro relógio, o ponteiro congela e o número vira um baita de um letreiro escrito “IDIOTA”.
Na sequência, seus olhos se esbugalham, depois apertam miudinhos, até que escorre de um deles uma única lágrima gelada, porque você se lembra da sua rede de apoio e o número ZERO do outro parágrafo se dissipa, e você entende porque pode continuar fazendo aquelas cinquenta vezes.
Assim é a vida. A minha, pelo menos.
E sem mais, meu ponteiro do relógio continua correndo, sem pressa, respeitando perfeitamente meu tempo, meu limite e todas as minhas limitações.

E vamos de poesia:

Um abraço e até a próxima,

Graziela Barduco.

Visite nossas redes sociais