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01 jun

Catorze anos de vida cordeliana em São Paulo

Hoje, 1º de junho de 2023, completo 14 anos de morada no Estado de São Paulo. Nem nas minhas mais longínquas lembranças, pensaria que construiria minha vida aqui. Quando decidi embarcar, eu tinha acabado de completar 24 anos. Era uma jornalista recém-formada e pensava apenas em passar uma temporada fora para fazer alguns cursos na área de comunicação, conhecer o povo do cordel em sampa, e depois, voltaria para Pernambuco cheia de histórias para contar.  Mas a vida é cheia de surpresas não é mesmo? Dois meses após minha chegada, conheci o amor da minha vida. E minha missão terminou sendo, viver e contar histórias em São Paulo!

Jamais esquecerei os olhares de todos os meus familiares, naquela tarde chuvosa do primeiro dia de junho, em Recife. Principalmente, do meu avô e da minha mãe ao se despedirem de mim no aeroporto. Pareciam que já sabiam que aquela passarinha alegre e saltitante estava voando para seguir seu próprio destino. Minha boca dizia até a volta, mas meu coração parecia já saber que a volta seria apenas para visitar a família de origem. Meu choro compulsivo dentro do avião talvez já fosse um presságio disso. Mas ainda era cedo demais para perceber. Precisava viver. E viver de forma independente dói. “Viver é melhor que sonhar” (será?). Só Deus mesmo para saber de onde eu tirei coragem para enfrentar viver esse novo mundo. Durante a viagem, inventei de ler uns versos que seu Euclides Nascimento escrevera para mim, pouco antes da partida:

Daniella, minha neta,
Meu amado passarinho
Você hoje sai do ninho
Vai viver lá no pomar
Cuidado com os predadores
Para não lhe devorar…Te amo.Vô.

Por favor, parem este avião! Pensei. Tarde demais! Se tem uma coisa que aprendi como os meus, foi sobre a importância de seguir em frente. De continuar a nadar, independente da correnteza. Mas, eu estava nas alturas! Então, continuei voando! Finalizo esta singela narrativa, com algumas estrofes sobre os meus caminhos na vida e no cordel e despeço-me, com a famosa frase de Che Guevara, da qual costumava falar muito nesta época: Hasta la victoria siempre!

MEU NOME É DANI ALMEIDA
SOU NETA DE CORDELISTA,
SEU EUCLIDES NASCIMENTO
NA MISSÃO SINDICALISTA,
DEU VOZ AO AGRICULTOR
E FOI UM GRANDE ATIVISTA.

EU NASCI NO CEARÁ
MAS CRIANÇA ME MUDEI,
PARA OLINDA, PERNAMBUCO
COM MAINHA ENFRENTEI,
DESAFIOS IMPORTANTES
JORNADAS QUE SUPEREI.

RIO DOCE, PERIFERIA
FOI O BAIRRO ONDE EU CRESCI,
É TAMBÉM DE CHICO SCIENCE
GRANDE ARTISTA QUE OUVI,
MANGUES E MARACATUS
REFERÊNCIAS QUE SEGUI.

EM MIM AINDA CARREGO
O CHEIRO DA MARESIA,
PAISAGENS DO ALTO DA SÉ
LUGAR DE PURA MAGIA,
POR ENTRE AS ONDAS DO MAR
DESCOBRI MINHA POESIA.

CIRANDAS, FORRÓS E FREVOS
FAZEM PARTE DO MEU MUNDO,
E ADENTRAM A MINHA ALMA
TORNAM MEU SER MAIS PROFUNDO,
NAS PALAVRAS QUE TRADUZEM
TUDO O QUE HÁ DE MAIS FECUNDO

E JÁ FAZ CATORZE ANOS
QUE EM SÃO PAULO EU CHEGUEI
JÁ MOREI NA CAPITAL
EM CAMPINAS ME CASEI
HOJE EM CARAGUATATUBA
O CORDEL É MINHA LEI!

NA CIDADE DE CAMPINAS
EU PARI MINHAS DUAS FILHAS
ISABELLA E ESTER LUZ
ME LEVARAM À MUITAS TRILHAS
DE AUTOCONHECIMENTO
CORAGEM, FÉ E PARTILHAS.

MORO EM CARAGUATATUBA
AQUI TIVE OUTRA MENINA
SUA GRAÇA: CLARICE ESTRELA
UMA NOVA LAMPARINA
NASCIDA DENTRO DE CASA,
NOVO AMOR QUE ME FASCINA.

A FLUÊNCIA DESTAS VIDAS
QUE NO VENTRE CARREGUEI
DEU AMPARO E FORTALEZA
PARA MIM COMO UMA LEI
DEDICO AS ANCESTRAIS
TUDO O QUE JÁ FIZ E HONREI.

FALO SEMPRE QUE O CORDEL
É POESIA PRA ECOAR,
DEVE SER METRIFICADO
COM BONS VERSOS A RIMAR,
TRADUZ COM MUITA EMOÇÃO
UMA ARTE SECULAR.

MERGULHO NO UNIVERSO
DAS HISTÓRIAS INFANTIS,
TAMBÉM O DA MATERNAGEM
COM MOVIMENTOS SUTIS,
NA EDUCAÇÃO FORTALEÇO
OLHARES BONS E GENTIS.

APRESENTO A TODO MUNDO
OS MEUS CONTOS NORDESTINOS,
CORDÉIS COM TEMAS DIVERSOS
PARA A REDE DE ENSINO,
ASSIM PRESENCIO CURAS
E MUDANÇAS DE DESTINOS.

BRINCO COM SERIEDADE
AFIRMANDO QUE O CORDEL,
É UMA LITERATURA
FORTE E TEM O SEU PAPEL,
DE EDUCAR, QUIÇÁ FORMAR
QUEM QUISER EM MENESTREL.

A VOCÊ QUE HOJE ME LÊ
RECEBA MINHA GRATIDÃO
PELO MOMENTO SUBLIME
DE LEITURA E COMUNHÃO
POR TER FÉ NA POESIA
NA MULHER E SUA AÇÃO!

ESTES SAO ALGUNS CAMINHOS
DO CORDEL EM MEU VIVER.
AVENTURAS, DESAFIOS
QUE AJUDAM A ENTENDER,
MINHA MISSÃO NESTA JORNADA:
SEMPRE A ARTE DEFENDER!

25 maio

Carta de um par de seios a uma mãe que amamenta

É, não precisa falar. Sabemos que a palavra cansada é quase um sinônimo de você nos últimos três anos, três meses e três dias. Afinal, a chegada de duas novas bebês durante este período (sem contar com a primeira que você teve antes), não poderia oferecer um cenário diferente do que você vive atualmente, principalmente do ano passado para cá. Ainda que, em muitos momentos, você não transpareça.

Hoje, temos quase o triplo do nosso tamanho original. Seu pescoço, tem doído muito? A gente quer muito te pedir perdão por isso. Sabemos que nos carregar não tem sido uma missão muito fácil. O número de tops e sutiãs perdidos não nos deixa mentir não é verdade?

Realmente a chegada das suas bebês, nos transformou. De manhã até tentamos fazer você se sentir uma “Pâmela Anderson”. Aí vem o final do dia, e com ele a singela prévia do que vai acontecer quando o período de lactação acabar.

Somos sugados de forma tão vigorosa que não temos mais dó de nós, mas de você, que tem que nos sustentar. E quando, além das sugadas, viramos objetos de brincadeiras, apertões, beliscos e até de algumas mordidas ainda que sem querer? A gente sabe que não é por mal. Mas que dói, dói! Mesmo que ele venha seguido de um lindo sorriso inocente. O que seria de nós, se não fosse você para alertar este terceiro novo ser, que tomou posse da gente sem pedir licença, de novo?

Desde então, criamos uma espécie de “vida própria”. Uma experiência pra lá de inusitada e que, por mais estranho que pareça, é depois de ouvirmos um choro deste ser, que entramos em ação. Você sabe! Choramos juntos! Quantas blusas suas já molhamos antes de sermos abocanhados pela boca da sua filhote?

Mas, de tudo de esquisito que já passamos, o lidar com os olhares externos sobre nós é o mais tosco. Quantos já olharam primeiro para nós e só depois é que você foi enxergada? E o mais estranho de tudo isso, é que, muitos destes olhares, não são de apoio! O que a gente sente (e não compreende) é a tal da indignação alheia pela sua escolha de continuar amamentando, seja em casa ou em espaços públicos, mesmo com as intempéries da sua vida. Alguns questionam, por que escolher nos manter assim, sempre cheios e “a mostra” se a “modernidade” já apresenta tantas outras opções? Mas olha, a gente quer te dizer uma coisa: Apesar da gente saber que você não liga muito para esse tipo de questionamento, não liga não tá?

Somos tua verdade em feminilidade! Abocanhados, esmagados, sugados ou cansados, somos sagrados! Fonte de fortaleza, alimento, proteção, amor, ação, pura emoção! Cheios ou vazios, nunca iremos te abandonar!

Somos gratos por tudo até aqui.
Com carinho,
Seu par de seios.

Como resposta, exponho os versos publicados no livro Maternagem em Sete Versos:

Meu bebê quando adormece
Eu que fico a contemplar,
Minha ocitocina aumenta
Faz meu peito transbordar,
Desse líquido de amor
Que transcende toda dor:
Leite para amamentar.

Dani

22 maio

Teodoras abre projeto Vozes Periféricas com roda de conversa sobre maternagem

No dia 2 de junho, às 14 horas, acontece na biblioteca pública Cassiano Ricardo, a primeira roda de conversa do coletivo feminino estadual Teodoras do Cordel – Artevistas SP. A mesa, intitulada, “Maternagem em Sete Versos – Poéticas Cordelianas de uma Mãe Artevista”, será ministrada pela cordelista e escritora da cidade de Caraguatatuba, Dani Almeida e acontece após o espetáculo “Mulheres em Ação na Arte e no Cordel” (também apresentado pelo o coletivo Teodoras).

A ação, faz parte do projeto Vozes Periféricas, promovido pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo e percorrerá o total de dez bibliotecas, até o dia 30 de junho.

Segundo Dani Almeida, a primeira roda do coletivo é inspirada em seu primeiro livro solo, Maternagem em Sete Versos, lançado recentemente editora MWG e propõe as participantes a mergulharem no universo materno de uma forma poética e inspiradora. “De um jeito leve e reflexivo, vamos bater um papo sobre alguns caminhos que podemos percorrer para ouvir melhor a nossa voz interior em meio aos desafios cotidianos, seja como mãe, seja como filha”, destaca.

O Coletivo Teodoras do Cordel – Artevistas SP
Fundado em 1º de julho de 2020, o coletivo é um grupo poético, artístico, literário e multicultural, que produz, promove e difunde a literatura de cordel. Um dos objetivos é o de mapear e fortalecer a produção do cordel feminino em nível estadual. “As nossas lutas cotidianas em comum, somadas as ações de difusão do coletivo, viabilizam o acesso de leitores e leitoras às obras literárias das mulheres do cordel em nosso Estado, principalmente, em espaços de incentivo à leitura, como casas de cultura, escolas e bibliotecas”, explica Lu Vieira, cordelista da cidade São Paulo e uma das idealizadoras do Teodoras do Cordel.

Fortalecidas e engajadas, as mulheres deste coletivo têm promovido diversas ações integrativas entre cordelistas veteranas, iniciantes e simpatizantes de várias cidades do Estado. “Em qualquer segmento onde a mulher ocupa espaço, inclusive no cordel, os desafios são grandes. Unir objetivos femininos construindo um diálogo crítico e inspirador com os nossos pares, é o que buscamos em nossas atividades”, pontua Elielma Carvalho, membro e produtora do Teodoras.

SERVIÇO
Roda de conversa Maternagem em Sete Versos – Poéticas de uma mãe artevista, com Dani Almeida e Espetáculo Mulheres em Ação na arte e no cordel

Dia e Horário: 2/6, às 14 horas
Local: Biblioteca Pública Cassiano Ricardo
Endereço: Avenida Celso Garcia, 4200, bairro Tatuapé, São Paulo.
Entrada: gratuita

21 maio

Projeto Vozes Periféricas leva Teodoras do Cordel para bibliotecas públicas da capital no mês de junho

A partir do próximo dia 2 de junho, até o dia 30, o coletivo feminino estadual Teodoras do Cordel – Artevistas SP inicia o circuito literário Vozes Periféricas, nas bibliotecas municipais da capital, com o projeto: “Mulheres em Ação na Arte e no Cordel”. Promovido pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, o circuito percorrerá com o coletivo Teodoras do Cordel, o total de dez bibliotecas. A cada encontro, o público poderá conferir apresentações que femenageam a força das mulheres negras e indígenas brasileiras e ainda, temáticas que denunciam a violência contra a mulher. As performances, são inspiradas nas três publicações coletivas do Teodoras: Justiça Violada (2021); Mulheres Negras que Marcaram a História (2022) e Mulheres Indígenas que Marcaram a História (2023).

Para Elielma Carvalho, produtora do projeto e membro do coletivo, é de grande importância que as pautas femininas e feministas, sejam discutidas nas várias linguagens artísticas e também, na literatura de cordel. “Em qualquer segmento onde a mulher ocupa espaço, inclusive no cordel, os desafios são grandes, por isso nosso coletivo tem buscado desenvolver ações para ajudar a desconstruir alguns paradigmas impostos pela sociedade patriarcal. Unir objetivos femininos construindo um diálogo crítico e inspirador com os nossos pares, é o que buscamos em nossas atividades, mas não é uma tarefa fácil”, destaca.

Durante o circuito Vozes Periféricas, além do espetáculo, as mulheres do coletivo Teodoras do Cordel também irão ministrar rodas de conversas sobre diversas temáticas, são elas:

Maternagem em Sete Versos – Poéticas Cordelianas de uma Mãe Artevista
(por Dani Almeida, dia 2/6, na biblioteca Cassiano Ricardo );
Cordel como ferramenta no processo de cura interior
(por Grazi Barduco, dia 7/6, na Biblioteca Álvares de Azevedo);
Evolução estética do cordel: capas e textos
(por EdiMaria, dia 15/6, na Biblioteca Marcos Rey);
A escrita feminina no cordel
(por Lu Vieira, dia 16/06, na Biblioteca Camila Cerqueira César);
Do que fala a mulher quando escreve?
(por Elielma Carvalho, dia 20/06, na Biblioteca Amadeu Amaral);
Culturas de Resistência: culturas periféricas que resistem à ordem vigente opressora
(por Maria Clara Psoa, dia 21/06, na Biblioteca Brito Broca);
A xilogravura nos cordéis e livros
(por Nireuda Longobardi, dia 22/06, na Biblioteca Alceu Amoroso Lima);
O feminino e a loucura
(por Luciana de Paula, dia 27/06, na Biblioteca Rubens Borba Alves de Moraes);
Cordel e os folguedos brasileiros: musicalidade e cancioneiro popular
(por Maria Rosa Caldas, dia 28/06, na Biblioteca Érico Veríssimo);
Violência e racismo contra a mulher: relatos e experiências
(por Cléia Silva e Dennah Sossai, dia 30/06, na Biblioteca José Paulo Paes).

SERVIÇO
Mulheres em Ação na arte e no cordel + Rodas de conversa com mulheres cordelistas

Dias, locais e horários:
2/6: Biblioteca Pública Cassiano Ricardo, 14 horas
7/6: Biblioteca Álvares de Azevedo, 14 horas
15/6: Biblioteca Marcos Rey, 14 horas
16/6: Biblioteca Camila Cerqueira César, 10 horas
20/6: Biblioteca Amadeu Amaral, 14h30
21/6: Biblioteca Brito Broca, 10 horas
22/6: Biblioteca Alceu Amoroso Lima, 13h30
27/06: Biblioteca Rubens Borba Alves de Moraes, 14h30
28/6: Biblioteca Érico Veríssimo, 9 horas
30/6: Biblioteca José Paulo Paes – (C.C.Penha), 15 horas

Entrada: gratuita

 

21 maio

Papel higiênico

PAPEL HIGIÊNICO

Pois é. Aqui estou eu cagada, sem água na torneira e sem papel para limpar a bunda. Reinando humilhada em meu único trono. Isso reflete a minha humilde vida de hoje, cara pessoa leitora. Envolvida com as responsabilidades, ou melhor com as irresponsabilidades dos outros, chego ao ponto de não pagar as minhas dívidas, resolver os meus perrengues, nem mesmo dar conta de uma transa e até esqueço de comprar papel higiênico.

Mas essa dedicação ao desenvolvimento da obra do outro, ou seja, tomar conta da cagada alheia, sempre esteve presente em minha vida. É uma perseguição presente. Agora vejo tudo. Principalmente observando os belos toletes flutuantes, que tenho pena de mandar embora para não ficar sozinha. Desculpe-me, pessoa leitora, a impecável escatologia Poe-Dos Anjos, porém é sabido que algumas coisas na vida só ganham denotação pela observação concreta da obra.

Penso: se é possível dar forma às nuvens, ler a borra deixada pelo café marroquino, interpretar as sombras nas águas do rio, ou as gotas de vela, que revelam o nome do futuro marido  na bacia virgem na noite de Santantonho, por que cargas d´água eu não posso ler o que revelam os meus toletes boiando? Formam um olho. E só pode ser o olho do cu. Exponho por excreção explícita as minhas amarguras, é o que tenho para hoje. E é assim de onde eu vim. Na cara dura. De forma crua. Percebo que trago em mim todas as cagadas de minha terra e levo-as em meu sotaque, na pele, para onde eu vou. Sabes por quê? Porque é o mesmo cu ainda. E já que estou cagada mesmo, vou é filosofar sobre a situação. Dizem os sábios que quando na merda “se saia de crau”. Então sigo em exploração o despertar das cagadas da minha vida.

Espera, espera aí. Respira, respira fundo. Mais um pouco. Sentiu o odor de merda? Não? Ah.. vai dizer que só eu é que estou cagada, com o rabo sujo e refletindo sobre a própria existência? A verdade é que nos acostumamos com a catinga de nossa cagada. Ela vai maturando e evolui aos poucos, passando à categoria de fedor e acomoda-se. Um tanto depois, evolui para cheiro e por fim põe-se em sua “venta” como essência ou fragrância essencial. E o sinal que a merda antes “carne de quarta”, podre e matadora de narinas, passa a ser conotada como na-tu-ral. Pois é, respira fundo, já que estás acostumada com o aroma. Não pira, pois tem sempre uma cagada bem mais fedorenta que a tua a ser cheirada.

Voltando as minhas divagações sanitárias. Um pensamento entalhado em um banheiro de posto de gasolina, na rota da BR232, em meados de 70, marcou a minha vida. “Merdas cagadas, não voltam ao cu”. Estava ali, diante dos meus olhos, a sabedoria universal de Einstein, cravada na porta de um banheiro de beira de estrada. Pura verdade e eu só consegui ler, porque estava na altura certa. Nessas ocasiões em que precisava me aromatizar de mim, eu tirava a sandália e colocava no assento para evitar o contato. E foi assim, um tanto mais alta, que li a frase marcante de minha sina. Achei muito mais eficiente que “águas passadas não movem moinhos”. Creio que por a imagem de água sempre levar a um significado intuitivo fofinho. Agora a cagada, é uma realidade cheirável e tátil.

A partir de então, adotei o cu como um índice benéfico a minha aceitação social. Penses o poder que esta palavra monossilábica representa ao mundo. Uns a amam, como eu. Outros odeiam ou nem pensam no bichinho, ou bichinha, ou bichinhe. Exemplo, agora vou falar de minha vida cu. Olha aí. Virou a cara? Teve nojo, asco, incomodo ou não quer ler mais? Ou está rindo até agora com a consciência que no fundo, no fundo, tudo acaba em merda? Tu já entendeste o panorama. Duas letras que sintetizam décadas de existência entre prisões de ventre e caganeiras. Viver a vida da outra ou do outro, cuidar mais do mundo, que que de mim mesma, se deve a uma síndrome que eu batizei de Síndrome do Segundo Lugar, ou SSL.

A SSL me aterrorizava quando estava prestes a competir por qualquer premiação, ou por uma nomeação, por uma citação, por uma assinatura, ou qualquer atividade contextualizada como um processo de saber quem era melhor em algo, melhor música, conquistar um lugar top de qualquer coisa, ou ser destaque, ou concorrer a Rainha do Milho, ou dançarina de Lambada, algum ranking…. aiiii. Creio que o conjunto da obra sempre salva a pessoa antes morrer. Mas comigo o que acontecia era ter que me contentar com o segundo lugar. É um quase, é um quase lá. Não é 50% nem 100%. É 90%. E ficam esses 10% de dúvidas e questões que te perseguem, e sabotam eventos especiais. Tirar B é não A. Ser 9,2 e não nota 10?

A SSL me deixava com aquele gostinho de quase ter comido tudo e fica faltando aquele finalzinho. Aquele pedaço de carne do prato de almoço roubado pelo irmão maroto. E como um coito interrompido. E como estar ali no rala-e-rola. Ali no dale, dale, dale, e dale mais. No tele-e-zaga, chegando nível krau nº 5 e então… A pessoa precisa urinar! Bussanha, viu! Essa vida medalha de prata, ficar à sombra ou não aparecer por não merecer. Vida cu é o da impostora, bota para fora quando poderia aproveitar e botar dentro, com carinho consensual. E então botar para fora com intencionalidade e manutenção de si. Eu acreditava piamente que não era para mim e que nunca seria, que não me era merecido. É tu só vê e pensa que a obra é da outra, é do outro, e não é tua. Aquelas pessoas mereciam o ouro e eu não. A SSL me cegava e se estabilizava cada vez mais fundo. Neguei e fugi dos ouros. Prata ou bronze já estavam bem.

Até que um dia o basta veio. A muito custo. E vem porque o mundo te contempla e devolve os esforços da corrente do bem. E para para sobreviver e preservar-me perante a corrida ao destaque de contas pagas, principalmente em meio machista, autoritário e castrador, desenvolvi uma defesa afim com minha personalidade: a capsula imaginária EMBURREÇA-SE. Uma super-power-mega-bluster-power-ranger-rosa para manutenção de minha integridade física, mental e social; e ainda preservar minha assinatura na coletividade.

Com a capsula EMBURREÇA-SE, eu conseguia escapar de uma situação competitiva e ainda assim ter uma oportunidade de vez e voz plantada para colheita futura. A posologia sempre e ainda o é, bem simples. Ao perceber que a tua ideia pode causar um frisson, perturbar a criatividade alheia de uma superior, provocar a discórdia entre a família, destronar uma cagante comum ao seu meio, administre uma capsula intra-retal e segure tua onda. No momento oportuno após ser estabelecido o dilema, ou exposto o conflito, veja se a tua estratégia-ouro, camuflada em prata ou bronze, se adapta. Então exponha. Em caso negativo, reserve-a na gaveta de tesouros, para eventos futuros. Poupar ouro, sempre foi e sempre será uma boa saída às entressafras de uma gestão. Uma reserva energética e idearia é sempre útil ou pelo menos pode-se pagar uma boa empena.

EMBURREÇA-SE sempre foi o alívio certo em situações onde, bastava uma palavra minha para exterminar dez babacas ridículos, machistas, misóginos, e até mesmo derrubar argumentos de mulheres bitoladas ignorantes. A capsula EMBURREÇA-SE traz em sua identidade visual tons azuláceos e traços esverdeantes. Paleta de cor que proporciona a temperança da personalidade, abrandamento de angústias e ansiedades; e te leva a um ponderamento: Não são necessários, em todos os momentos e em todas as situações, ideas tão super-megas criativas, resolutivas, eficientes e eficazes. É importante olhar o seu aterramento. De onde vens e o que te fortalece. As cagadas de teu passado podem te salvar.

A primeira poda de pessoas inteligentes e assertivas em mundo que silencia essas personalidades, será vivida dentro da família. Que começa controlando nossas línguas, lábios superiores e lábios inferior; e nossa fala-corpo quanto um todo. A problemática, ainda preservada, foi estabelecida a centenas de anos em ambiente em que os pais têm inteligências diferenciadas dos filhos e temem por sua evolução. A geração vindoura tem que superar a anterior, ou a vida não se preserva. O Mestre tem que ser superado por seu pupilo ou pupila.

Mas crescida em ringues em casa, na rua, na escola, no interior e percebendo que esses espaços só matavam as relações que podiam ser sagradas, a capsula EMBURREÇA-SE salvou-me, e adquiri o comportamento de dar um passo para trás pela paz. Com um universo de responsabilidades somadas em todas as minhas relações profissionais, emocional e sociais, eu precisava preservar-me em primeiro lugar. Isso! Assim eu me daria o primeiro lugar, a mim mesma. Ou seja para mim, sou o sol e a lua, ouro ou prata, garota nota mil ou deusa mitológica, e está tudo bem. Então a SSL cala-se por vez. E vem a força do conceito de coautoria como meu lema. Promover a coautoralidade sempre sem necessidade de retorno de medalhas metálicas, mas sim do sentimento de realização.

É preciso respeitar valores e marcas originais e isso não tem escambo que negue. Por exemplo, e já terminando meus pensamentos escrachados por sentir uma comichão forte nos pés. Para escrever esse texto precisarei de minha Olivetti Lettera 22, de folhas de papel, de fita datilográfica, de uma mesa, de uma cadeira, de algo que vem antes, certo? Por mais básico que seja qualquer recurso, precisamos do simples para criar o complexo. Quem criou esses recursos antes, também faz parte de minha obra. São coautores e coautoras comigo. O que veio antes preservou nosso hoje, para garantir o pulo do futuro. Esse antes tem que ser sagrado, abençoado e agradecido. O que vem antes é o que te salva. As cagadas dos outros podem te salvar também. Ou em meu caso me lascar. Cabe agora administrar a minha capsula, e não saí de meu caminho mais.

Na comunidade da vida, bichos trocam de pele, mudam os tons de pelugem ao longo de envelhecer e continuam sendo a mesma substância. Na metáfora do rio, seremos outras e outras a cada banho, mas nosso cu é o mesmo, ressignificado a cada lavada. Não tem problema em emburrecer-se às vezes, caríssima pessoa leitora. É bom ceder, dar um passo para trás, ou deixar de ver, mas desde que não macule o teu e nem os nossos valores conviventes. Se eu perder a minha essência sui generes monossilábica, perco a mim mesma. Por hora o melhor é dar descarga e deixar a minha obra, seguir para o mundo, no caso, ao mundo da fossa. Despeço-me com a cabeça leve, as pernas dormentes e o cu sujo. Mas não se pode ter tudo, apelo então, ao Estadão. Bom dia.

18 maio

Singelas felicidades

A partir de hoje, quero acumular em mim, apenas felicidades, é possível?
Os beijos e abraços repentinos recebidos das crias,
Os cochichos de: eu te amo mamãe!
A chegança na mente de textos sinceros,
A gratidão de sentir a presença de Deus a cada inspiração,
O cheiro do café no começo do dia,
O aroma do chá de cidreira no fim de uma noite,
O contar das histórias da vida andante,
As boas vibrações de quem me escuta,
O amparo das pessoas em alguns breves instantes,
Esquecer por um tempo a vida virtual,
Caminhar observando o que de bom me cerca,
Respirar maresia e tomar banho de mar,
Ouvir com atenção o barulho das ondas,
Encontrar com mulheres para trocar ideias,
Sentir acolhimento com o compartilhamento
De vivências da vida, com boas risadas,
Dividir comidinhas feitas com amor,
Ouvir uma playlist e deixar minha mente seguir para longe,
Trocar mil carinhos com o meu companheiro,
Dividir pensamentos e zelar pela prosa,
Deixar fluir em mim melodias tocantes,
Terminar o meu dia me dando perdão
Por não ter conseguido acumular, nem ao menos, a metade destas minhas singelas felicidades.

15 maio

Mãe Solo: produto do “pai doador”

Queridos (as) leitores (as),

Peço licença para publicar em um formato e frequência um pouquinho diferentes do usual, mas acredito que o tema vale a reflexão.

Na semana passada me deparei com um texto absurdo, de um machismo profundo e exacerbado, e de uma monstruosidade estupenda que me fez até estremecer.

O autor, uma pessoa que já fora relativamente próxima a mim, afirmava que um pai não tinha papel nenhum mais, assim que uma criança era concebida, já que ele funcionava apenas como um “doador”, de modo que se ele até mesmo viesse a falecer, de nada atrapalharia no desenvolvimento desta “cria”.

Chocada e revoltada, eu fiquei me perguntando quantos homens não devem pensar assim desta mesma forma.

Não à toa, o Brasil tem mais de 20 milhões de mães solo atualmente. VINTE MILHÕES, você leu certo! E os números só vem crescendo a cada ano.

Triste pensar que frequentemente me questionam a necessidade do feminismo, debocham do papel da luta feminista.

Sim! Com o machismo invadindo nossos próprios ventres e criando nossos filhos órfãos de pais vivos, ainda há quem insista em dizer que tudo isso não passa de um “mimimi”.

E vamos de poesia!

Esta, particularmente, escrevi assim que descobri que estava grávida de meu lindo bebê:

 

Quem eu sou
Agora que sou dois
Me perco no depois
Me acho no agora
Cá estou, já sem demora
E sei que não vou embora
Pois esse amor invade o meu todo
E resgata-me do antigo lodo
Somos!

 

Um abraço,
Graziela Barduco.

11 maio

Mãe possível

Ser mãe é doar o seu estado de presença. Vai além do amor incondicional. Por que será que só se fala mais, do amor incondicional da mãe? Por que não é comum também, se discutir o amor incondicional de um pai? Só daí, já começa a cobrança.

Não deixamos de ser mulheres depois que nos tornamos mães. Continuamos tendo outros diversos interesses na vida pessoal, amorosa, profissional. Então, porque, ao invés de questionarem as mulheres que querem continuar tendo (ou não) outras rotinas (além da maternagem), não são criadas oportunidades para que todas as mães possam fazer o que realmente desejam e precisam? Se trabalha fora e terceiriza a educação dos filhos, é criticada; Se fica em casa e deixa o emprego, também. Se engorda depois dos filhos, é desleixo. Se deixa de frequentar lugares, é antissocial. É conciliar vida amorosa, casa, corpo, saúde mental, trabalho profissional e tantas outras cobranças incutidas na mente da mulher ao longo de tantos anos, que é impossível não se sentir culpada por não dá conta de tudo.

Ser mãe não é sinônimo de você ter que se renunciar cem porcento. Qualquer que sejam as escolhas da nossa vida (seja ou não escolhendo ser mãe), sempre renunciaremos a algo. Tudo é questão de prioridade. E na construção de uma prole, não seria diferente não é mesmo? Então por que, nós mulheres, nos sentimos tão culpadas de tudo, principalmente no quesito maternidade?

A pressão social com certeza é um dos fatores mais determinantes. Produzir seres humanos de “sucesso” é a garantia do capitalismo continuar existindo. Então mulher, trate de garantir isso, porque se depender dos pais (homens detentores do poder), tudo estará em risco.

É por essas e outras questões que, cada vez mais, os discursos relacionados ao feminino vêm sendo reconstruídos. E toda mudança gera estranhamento não é mesmo? Mas tem gente que prefere dizer que feminismo é algo ruim, coisa de loucas que agem como macho e não querem se depilar (e mesmo se fosse, o que muda a vida de alguém elas serem assim?). O fato é que discursos generalistas e estereotipados, existem apenas para que nós, mulheres (as únicas que realmente sabem onde o calo aperta no dia a dia), nos sintamos cada vez mais culpadas e inibidas de sermos quem realmente somos. Como assim, compartilhar vitórias e acolher fraquezas? Vocês têm mesmo é inveja umas das outras!(Que mulher nunca ouviu isso na vida?)

Por que será que tantas mulheres se sentem ainda mais sozinhas quando se tornam mães? Somos humanas. Somos MULHERES. É urgente que tenhamos um olhar mais empático com as nossas próprias questões. Inclusive a de julgar (ou tentar justificar) os porquês das mulheres que decidem NÃO SER mães. Isso é uma escolha de cada uma e tá tudo certo. Será que um homem que não deseja ser pai é tão questionado assim?

Não cabe mais, nos dias de hoje, a gente julgar uma igual (seja ela mãe ou não) por qualquer motivo que seja. Vamos ser o que é possível, e aplaudir o esforço da luta de cada uma. Sororidade já!

E se em algum momento, a gente conseguir uma brecha para sair da própria luta individual (que também não é nada fácil) e conseguir ajudar uma outra mãe com a luta dela (mesmo que a sua luta pareça ser a maior de todas), com certeza em algum momento o nosso fardo se tornará mais leve. Não basta apenas falar: – Vai passar! Se puder ajudar a tornar leve o que tá pesado pra ela (naquele momento), tenha certeza que isso jamais será esquecido. Seja chegando com uma comidinha pronta ou propiciando uma simples conversa lavando uma louça, dando um banho num filho dela pra ela poder tomar o próprio banho, ficando algumas horas com as crianças dela pra ela poder dar uma saidinha com companheiro, ou mesmo, poder cochilar sem interrupções. São ajudas tão “tolas” que nem parecem ter tanta importância né? Mas toda mãe sabe o quanto essas pequenas ajudas revigoram suas energias.

Haverão aqueles que pensarão: – Então porque teve filhos? E porque teve mais de um filho se não pode bancar babá, escola x, y, z? Mas, e se não fosse essas corajosas para colocar esses seres humanos no mundo, o que seria da nossa espécie? Tendo filhos ou não, todos somos responsáveis pelas crianças deste mundo. Nem todo mundo é mãe, mas todos vieram de uma! Vamos valorizar mais o maternar e julgar menos. Todas as mães dão aos seus filhos aquilo que é possível, principalmente as mães solo. O impossível, o incondicional, vamos deixar para os contos de fadas. Aliás, até os autores (as) de contos de fadas já estão mudando essas narrativas. Mas isso é papo para um outro artigo. Finalizo hoje, com este decassílado escrito para a minha obra Maternagem em Sete Versos, publicado pela Editora MWG.

MATERNAR É EXALAR
AMOR EM ESTADO PURO
TER FÉ, SER PORTO SEGURO,
EM SITUAÇÕES DO FALAR
RIR E TAMBÉM SILENCIAR
NÃO DEIXAR DE OUVIR OS BANJOS
AFINADOS PELOS ANJOS
GUIAR COM SIMPLICIDADE
ENTENDER NOSSA VERDADE,
MELHORANDO SEUS ARRANJOS!

Um xêro na alma,
Dani Almeida

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