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06 out

O Machista de “O Machista e a Cordelista”

Olá, pessoal!

Eu sei que não é usual eu publicar dois artigos na mesma semana, aqui na minha coluna, mas a vivência do dia me rendeu um excelente textinho que gostaria muito de compartilhar com vocês.

Hoje venho falar do machista, personagem do meu cordel “O Machista e a Cordelista”, que, como já falei algumas vezes, é um personagem real. Este rapaz em questão, há alguns meses, me bloqueou de seu Facebook, bem antes de eu pensar em escrever meu cordel sobre ele, qdo postou um texto por lá, dizendo que achava que o papel do homem no desenvolvimento de um filho, assim que uma mulher engravidava era praticamente nulo, porque o homem é somente um doador de esperma e a mãe é que é a verdadeira responsável por toda a concepção do bebê, e eu retruquei achando um tremendo absurdo. Depois de um tempo, resolvi bloqueá-lo de meu Instagram, pois só servia pra me bisbilhotar e isso de nada me contribuía, haja vista a forma machista com que por lá se exibia também.
Pois bem, na semana passada, eu soube por um amigo em comum, que ele publicou um novo livro, depois de um primeiro que eu havia lhe ajudado a publicar, quando esse amigo fez propaganda dessa nova publicação. Fiquei curiosa e fui atrás do livro, que ainda nem lançado foi, mas consegui com a editora. Era até um livro que ele já havia compartilhado comigo o miolo dele e apenas agregou a esse material alguns outros contos. E pasmem: material altamente machista, disfarçado de “autoficção do absurdo que critica, com ironia, temas politicamente incorretos”, como diz em sua sinopse, claramente para que ele não seja digamos que cancelado pelo leitor.
Eu confesso que depois de um tempo, fiquei até com dó e ao mesmo tempo achei interessante esse seu empenho e coragem de bancar essa nova publicação. Resolvi então dar uma segunda chance na amizade, chamar para conversar sobre o livro, entender essa “autoficção do absurdo que critica, com ironia, temas politicamente incorretos” e também entregar-lhe em mãos o cordel “O Machista e a Cordelista”, explicando com paciência o meu lado, e como me sentia para ter feito tal publicação, na esperança de acertarmos os ponteiros e seguirmos em frente, sem mágoa, afinal, mágoa nenhuma faz bem, e também para que tais conceitos e atitudes ruins e pejorativas que vejo em sua obra pudessem continuar a ser desconstruidas.
Então mandei uma mensagem pelo WhatsApp (único canal não bloqueado) com a foto do livro dele e perguntando se podíamos conversar e tomar um café. Não obtive resposta. No outro dia, resolvi passar na portaria dele com dois cafés, o livro dele e o meu cordel. O porteiro, um fofo, que sempre recebia os livros que eu deixava na portaria para ele ler, interfonou feliz, e quando voltou a falar comigo já estava com a cara de super constrangimento, dizendo que ele não estava, que só estava a faxineira. Eu perguntei se podia esperar ele voltar. Ele interfonou novamente e gaguejava dizendo que ele tinha saído cedo e viajado pra praia. Bem, voltei pro carro e mandei mensagem dizendo: “seu porteiro mente muito mal, vc pode descer antes que o café esfrie?” E mais várias outras mensagens. Ele entrava online, visualizava e nada dizia. Então resolvi escrever assim:

“Bem, creio que realmente não esperava mais de vc do que isso. Obrigada por mais uma vez me mostrar quem vc de verdade é. Segue o pdf do meu novo cordel, que estou lançando nas principais bienais, flip e outros eventos. É sobre vc. Eu gostaria de te explicar pessoalmente, pra que não lhe seja um insulto. Mas explica sobre como me sinto, me senti. Hj mais uma vez me sentindo a partir de como vc trata as pessoas (mulheres em geral). Gostaria de explicar pessoalmente, mas não me foi dada a oportunidade. Bem, acho que é isso. Adeus. Adeus, pra todo o sempre.”

E então o bloqueei, finalmente no WhatsApp também . Vida que segue. Sinto que fiz minha parte. E agora estou mais leve por não sentir que estou falando pelas costas de um tal alguém.

E bora com um trechinho do meu cordel “O Machista e a Cordelista”:

Esses dias li um texto
No qual o rapaz falava
Que o pai de uma criança
O próprio esperma doava
E depois era com a mãe
Nada mais lhe importava.

Questionei a alegação
Que me veio como um tiro
Não há nada mais machista
Quase que nem mais respiro
Ele então me bloqueou
Assim não mais interfiro.

E lembrei de outros textos
Sobre bundas de mulher
Tratadas como objeto
Altas, magras que ele quer
Mesmo que seu tipo físico
Não seja “padrão” sequer.

Homem pode não cuidar-se
Mulher tem que andar na linha
Se é “feia”, é amiga
Se trata bem, é galinha
Assim o machista pensa
Com a fala tão mesquinha. 

Beijos de luz, meus amores!
Graziela Barduco.

02 out

O Telefone que Gera Falhas de Comunicação

Olá pessoal!

Espero encontrar-lhes bem. E espero também que estejam hoje com vontade de me ouvir (ou melhor, de me ler).
Eu e minha eterna necessidade de ser ouvida…
E agora a novidade é que essa necessidade passou a vir atrelada a um desejo um tanto inusitado: passei a nutrir uma vontade gigante de arrancar os celulares das mãos das pessoas e fazer a famosa e antiga “voadora” com os tais objetos, vítimas de meu ódio repentino, ou seja, fazê-los voarem para bem longe!
Sim, porque as pessoas não escutam mais umas as outras e, se escutam, não prestam a menor atenção.
Elas estão tão focadas no maldito aparelhinho, a ponto de você dizer: “meu cachorro morreu”, e elas balançarem a cabeça entusiasmadas, concordarem com você e na sequência ainda rirem, porque estão na realidade concordando com o conteúdo do maldito aparelhinho em questão, não com a morte de seu cachorro, sobre a qual eles nem ao menos chegaram a ouvir.
Mas aí eu me dou conta de que se eu resolver de fato arrancar o “malditinho” de vossas mãos e atirá-lo para longe, como é que vocês irão ler o que estou escrevendo neste exato momento? Aliás, eu estou escrevendo através do meu próprio “malditinho”, porque meu notebook está carregando lá no quarto.
Enfim, claramente o problema não está no pobre do celular (não tão pobre assim, né, haja vista o amiguinho da maçã mordida: Misericórdia!). Ok, voltemos.
Prosseguindo, a confusão toda está obviamente relacionada ao uso que fazemos do nosso querido celular.
Se há uma solução específica para tal embate? Penso que seria somente a ponderação, assim como para praticamente tudo nessa vida, já que a cada dia estou mais convencida de que o grande “segredo secreto” da nossa existência é o equilíbrio, que, na maioria das situações, é bem difícil de se alcançar. E se alcançado, é bem complicado de nele permanecer. Porém, sigamos na luta, né?
Beijos de Luz!

Ah, não! Espera! Vamos de poesia, pra equilibrar:

Eu me sinto tão sensível
E já fico assim sem chão
Ao dizer o indizível
Ao fugir da negação
Meu passado é combustível
Meu presente, indagação.

Agora sim! Um grande beijo e até a próxima publicação,
Graziela Barduco.

 

23 set

VERA, a prima de Zé

 

VERA, a prima de Zé

Vera não tinha irmão, nem irmã. Ela nasceu em 23 de setembro de 1934 e segundo o pai, Seu Tonho da Bodega, foi o ano em que “…o tal do Getúlio deu um jeito de ficar mais um tempinho no poder e inventou a Constituição do Brasil, que de pouca coisa me serve.” Bradava ele, sempre nesta mesma data. Outra coisa costumeira realizada no referido dia, era o tradicional bolo de milho de Passira, recheado com Goiabada Cascão que sua Mãe, Dona Dalva de Seu Tonho da Bodega, produzia todo ano para comemorar o aniversário da Filha. Ela distribuía para quem passasse na Bodega naquele dia, em graças à Santa Maria. Mas esta era uma primavera especial, Vera iria fazer 15 anos e de jeito nenhum queria bolo de milho, que era coisa para as crianças se lambuzarem. Não importava se o município era a Terra do Milho e nem que fosse para pegar briga com a própria Santa, ela não queria saber de milho! Seu sonho era um bolo diferente, um bolo sabor chocolate, com muitas frutas coloridas por cima, assim como tinha visto na revista vendida na Bodega do Pai.

Depois de Vera, que veio ao mundo “…por um milagre de Santa Maria e das mãos da Cachimbeira da Serra!” como repetia sazonalmente Dona Dalva, que antes de casar era “Dadá da Renda de Bilro”, engravidou apenas mais uma vez. Porém perdeu os gêmeos depois de “um passamento” que acometeu a rendeira. Segundo se conta no povoado, foi a tristeza de descobrir “as safadezas” de Tonho na rua do Boqueirão, que a deixaram doente e acamada. Na hora do parto, Tonho não deixou a Velha Parteira ajudar por birra e chamou o Dr. Gilberto para tirar a criança. O quadro de Dalva se agravou e quando o médico descobriu que eram gêmeos, já era tarde demais. No momento de desespero, Dr. Gilberto, que nunca revelou a Dalva qual teria sido a doença dela, perguntou a Tonho para escolher entre a Esposa e as crianças, e Tonho escolheu a esposa. Depois de um tempo ele também adoeceu e mudou de comportamento. Ficava falando sozinho pelos cantos da casa, repetindo “eram dois meninos, eram dois meninos, eram dois meninos…”.

O tempo passou e Tonho se curou, a bodega começou a prosperar e Vera foi crescendo junto com os negócios do Pai. Seu Tonho era conhecido por ser um exemplo de homem dedicado ao lar, à Esposa e à Filha. Em casa era “quase um padre”, segundo Dona Dalva, dedicando-se inteiramente à educação de Vera e às suas negociatas. Segundo ele, Dalva, como mulher, já tinha sido agraciada por Deus com a vida que tinha e não precisava de mais nada além de seu arrimo, contas pagas e prosperidade da família. A obrigação dela era cuidar de Vera dar-lhe boa educação e tudo necessário para a conquista de um bom casamento. Preferivelmente, com algum parente rico ou rapaz de boa família da região, e que mereça o dote de Vera. Ali no povoado de Pedra Tapada todos sabiam dessa história: O dote de Vera, a castidade de Seu Tonho da Bodega e a beatice de Dadá da Renda de Bilro.

Do balcão da Bodega de Seu Tonho, Vera ficava olhando o mundo passando à sua frente através da contraluz daqueles dois pares de portas abertas. O mundo era refletido como uma tela de cinema, que só sabia da existência por conta das revistas que viam de Recife, e eram trazidas por outro Tonho, Seu Tonho Cantador. “Caixeiro de muitas estradas” como se dizia, animava a Bodega às sextas-feiras no fim da tarde, a cada exatos sessenta dias. Todos esperavam com ânsia, a hora de ir para Bodega escutar as histórias dos filmes que assistia, ouvir sobre os causos dos encantados, escutar canções satíricas em um idioma estranho que ele dizia ser inglês. E tinha também os momentos mais vibrantes, quando declamava folhetos de cordel escritos por variados nomes da época. Vera tinha o seu poeta preferido. Ela gostava de ouvir as criações e enredos absurdos do poeta de Teixeira, Zé Limeira, e sonhava um dia poder viver e até mesmo escrever roteiros de suas ideias absurdas. Ela ria discretamente, mas por dentro sua cabeça se enchia de possibilidades e invenções.

Às vezes, o Cantador pedia a Vera para ler alguma notícia de revista ou de um jornal, mas por ser muito acanhada, ela sorria tímida e respondia balançando a cabeça de um lado a outro nervosa, em negação com o rosto ruborizado, e se encolhia por trás do balcão. Porém quando ficava sozinha, entrava em seu mundo imaginário e lia os textos em sua mente, como se fosse uma história de sua vida própria. Ela se transformava em uma das atrizes do rádio e com voz aveludada respondia ao repórter todas as perguntas.  Ela amava fantasiar isso, pensar em ser famosa, ir para o cinema e atuar em vários papeis, como a moça do Circo que passou pela cidade atuava. Seu nome era Sabrina. Sabrina fazia de um tudo um pouco no picadeiro e fora dele. Era bailarina, palhaça, trapezista e se equilibrava em cima de um cavalo! Certa tarde, durante a temporada da companhia no povoado, Sabrina foi à Bodega e conquistou a amizade de Vera, contando suas peripécias pelo meio do mundo. Contou também dezenas de histórias sobre os lugares e as pessoas mais estranhas que havia conhecido. Foi com ela que Vera soube sobre homens, das intimidades entre homens e mulheres, e entre mulheres e mulheres, e entre homens e homens. E foi para Sabrina que Vera falou pela primeira vez sobre seu primo Zé.

A Bodega era o ponto de referência e ponto de encontro de várias pessoas do povoado. Eles vinham desde comprar um picolé, a um rói-rói, encomendar queijo coalho, ou jogar bilhar, tomar cachaça ou comer bolo de rolo. Era uma Bodega de vender parafuso de cabo de serrote, “de tudo tem um pouco e se não tiver, mando trazer”. Essas palavras estavam entalhadas em uma placa de madeira na parede principal da Bodega. Era a frase estímulo das vendas de Seu Tonho, seu conhecido bordão. Vera estudava pela manhã e todas as tardes durante a semana, e até às duas horas da tarde do sábado, trabalhava na Bodega e ajudava seus pais. A Bodega funcionava das sete da manhã às sete da noite. E esse era o horário régio de todo o povoado. Nada acontecia depois das 19h. Todos se recolhiam neste horário e ficavam em casa à noite. Essa rotina só mudava no domingo, em que o povo ficava na rua até 20h, por conta da difusora local que costumava tocar hinos na Praça da Matriz após a missa. Depois da hora grande, era quando não se via viva alma nas ruas, pois eram horas das “almas mortas”, dito popular do lugar.

Do balcão da Bodega Vera ficava pensando nessa vida toda do mundo e na vida de todo mundo. Juntando os pedaços e as partes coletadas e montando a outras alternativas. Era seu jogo de “se fosse assim”. Tudo começou com a morte de seus irmãos. Ela tinha cinco anos quando aconteceu e quando completou sete, a sua mãe contou a história toda. Por conta das fofocas e reinvenções do povo do lugar e para impulsionar Tonho na processo de sociabilização depois do trauma. Isso marcou demais a vida de Vera, que passou a fazer tudo para nunca decepcionar seus pais. Porém ela queria uma outra vida e isso estava gritando dentro dela, pois era coisa de Limeira, um absurdo! Ela nunca falava com ninguém sobre as suas intimidades. Nem com as colegas do ginásio, que eram tão próximas e nem com suas primas mais chegadas. Só conseguiu com uma pessoa distante, estranha e que não tinha medo de viver do seu jeito. Vera queria saber qual era o jeito dela próprio. Antes de viajar, Sabrina foi se despedir de Vera, que confessou ter encontrado uma irmã nela. Sabrina pediu a Vera que prometesse seguir seus sonhos e impulsos. Falou para amiga conversar com seu primo Zé e revelar o seu amor por ele. “Quem sabe também podes encontrar uma boa amizade”, aconselhou Sabrina.

Primo Zé, tinha um ano a mais que Vera e era filho do primo do Seu Tonho da Bodega, Tio Romão. Com o dinheiro que pegou emprestado do primo bodegueiro, Romão montou uma oficina de consertos de bicicleta em frente a bodega do primo. Também havia prosperado e comercializava peças para todas as localidades. Vera cresceu vendo Zé ali na sua frente, fugindo das responsabilidades e brigando com pai e com a mãe o tempo todo. Zé era repetente na escola e não queria saber de estudar. Ele brincava com isso: “Sou repentista, gosto de repetir”. Ora passava o dia tocando a viola que comprou de Tonho Cantador, ora andando de bicicleta pelo meio do mato, ora estava na nascente do Capibaribe deitado, inventando histórias absurdas e atirando de badoque nas juás . Por sinal era assim que ele se virava. Montou a sua própria bicicleta com as peças que sobrou da oficina do Pai. Catava as frutas que sobravam das colheitas e vendia na Feira do sábado. Rodava as localidades cantando, declamando cordel em troca de comida. Zé entrava na Bodega feito um relâmpago e gritava “Prima Vera, flor do dia, dou a ti minha poesia” e entregava um livreto que havia comprado em algum lugar. Ou podia ser uma flor, ou um confeite açucarado. Sempre tinha um mimo para a prima, o que a deixava sempre muito envergonhada, e Zé saia rindo da Bodega zombando do rubor de Vera. Zé trabalhava tanto e se virava. Mas, para as pessoas do Povoado, isso não era atitude de quem quer ser gente na vida. As palavras de Sabrina fervilharam em sua cabeça e ela decidiu que no dia de seu aniversário, na sexta-feira próxima, ela iria revelar suas intenções para primo Zé.

O dia 23 chegou e todo mundo da escola havia lhe felicitado pela manhã. Era dia de cantoria e poesia, Dia de Bodega e certamente Zé iria aparecer naquele fim de tarde. Naquela manhã, sua professora falou para sua turma do colégio o que era equinócio,  explicando o fenômeno de quando o dia e a noite tinham a mesma duração. Olhando as sombras reveladas pelo sol vespertino, olhando como se movimentavam, Vera refletiu. “Sempre ouvi falar que temos uma sombra interna. Uma outra personalidade monstruosa que não pode ser revelada e que deve ser contida e calada. Em determinado momento do dia mesmo ficando em pleno sol, tem um breve instante em que não provocamos sombra alguma. Somos apenas luz. E em outro em que somos apenas sombra. Isso é equilíbrio. Será que um dia poderemos controlar nossas sombras e luzes, nossos dias e noites interiores e sermos equinócios felizes?”

Em suas recriações, “se fosse assim”, Vera criava narrativas com Zé de variados formatos e enredos. Naquele dia, estimulada pelos assuntos de sala de aula, ela fantasiou mais um: ”Eu e Zé somos noite e dia. Ele é da rua e eu sou da Bodega. Ele canta e eu me calo. Nós poderíamos ter quatro filhos. Duas meninas e dois meninos. Uma menina danada, e um menino danado. Uma menina quietinha e um menino quietinho. Ele podia virar um caixeiro, tal Seu Tonho e viver fazendo o que gosta e eu ficaria em casa fazendo minhas rendas e cuidando de nossa pequena rocinha. Iríamos envelhecer e ficar na calçada conversando com o povo até anoitecer todos os dias. Sábado iríamos fazer feira, domingo iríamos à missa e depois para casa de algum filho ou filha. Ficaríamos assim eu bordando e falando da vida, ele tocando a violinha e contando os causos, até chegar nosso dia. Ele morreria de dia e eu de noite, com mais de cem anos. Todos comemorariam nossa partida felizes, em meio aos nossos netos e bisnetos saudáveis, prósperos e comendo bolo de chocolate com frutas em cima.

A noite cai e todos já estão bem envolvidos com Tonho Cantador e suas novidades, mas nada de Zé. Ele tinha brigado dois dias antes com seu pai, coisa de rotina e Vera não se preocupou. As entravam na Bodega e cumprimentavam Vera, ansiavam pela festança que Seu Tonho prometeu para todo mundo no dia seguinte. Ele havia organizado tudo para o evento, convidou famílias importantes e com possíveis varões para cortejar sua filha. Que pressão na cabeça da sonhadora. Se Zé aceitasse seu amor, Vera estaria disposta, com todas as forças, em assumir tudo no meio da festa, depois que cortarem o bolo de chocolate. Em seu plano perfeito, ela iria oferecer o primeiro pedaço de bolo ao seu amor, seu primo Zé e revelaria sua paixão escondida. Seu Pai poderia morrer de um ataque cardíaco e ou voltar a ficar louco de vez que ela não iria se desistir em sua missão: ser feliz com Zé. E era esse o único presente que desejava na vida. E não importava o que falassem, estava determinada a cumprir seus objetivos. “Mas cadê Zé que não aparecia nunca?”, ficava se perguntando.

Em um determinado momento da cantoria, Dona Dalva mandou chamar Vera às pressas para sua casa, para resolver um assunto emergencial da debutante. Vera pede licença aos presentes e vai para casa. Ao entrar na sala, ela viu a mãe com o seu vestido de debutante na mão pedindo para que vestisse. Quitéria, a costureira, precisava abainhar na altura certa e lembrava: “Tonho detesta vestido curto demais, e não importa se já são 15 anos, o que está certo, está certo.” Já adiantava Dona Dalva aos berros, certamente já cheia das fofocas e conversas fiadas de Quitéria. Vera foi para seu quarto e enquanto colocava o vestido, escutou Quitéria contado a sua mãe: “Como eu estava lhe dizendo, Ele deixou uma carta para ao Pai e outra para a Mãe, escrita toda em poesia. Coisa mais linda de se ver Dona Dalva. Ele é um menino bom só não ganhou juízo. Quem sabe a vida vai lhe ensinar?.” Dona Dalva responde: “Eu espero que não me chegue amanhã aqui, esse tipo de rapaz. Minha filha merece coisa melhor e vai ter. E eu ainda tenho que respeitar, já que é da família. E essa menina que não vem? Veraaaa”. Vera saiu do quarto sem entender nada, porém muito curiosa por saber quem seria esse “Ele” falado. Depois dos acertos de Quitéria, Vera retornou à Bodega e encontrou seu Pai já colocando os últimos clientes para fora. Tonho Cantador não estava mais e Vera perguntou a seu Pai sobre ele, com a esperança de saber notícias de Zé. “Oxe, pois Tonho foi agorinha, e desejou para ti o melhor dia da vida. Ah, Ele deixou esta revista como regalo para ti também.” Informa seu Tonho.

Em seu quarto, com bobes na cabeça em preparação para a grande evento, Vera se “assuntava” se Zé iria aparecer no outro dia, tal como um raio virado na pimenteira e iria abraçá-la como sempre fazia e no meio da festa iria declamar um cordel só seu. Em meio a esse pensamento-fantasia, Vera folheou a revista e percebeu uma pequena folha dobrada. Abriu e viu os rabiscos de seu primo: “Querida prima Vera, minha flor do dia!  Feliz aniversário. Promete para mim que vais aproveitar a tua vida e viver além das portas dessa bodega velha. Minha irmãzinha, confesso que amo Sabrina e vou embora com ela viver do circo. Um dia eu volto e trago um bolo recheado de todos os chocolates do mundo e coberto com todas as frutas que eu poder conhecer pela vida. Zé”.

MR – 23 set 23

 

 

16 set

Redes Sociais X As Feridas da Alma

Olá leitoras e leitores,

Dizem que nas redes sociais só mostramos as coisas lindas, maravilhosas e romantizadas, e concordo com isso, já que usamos tal ferramenta enquanto uma espécie de vitrine, logo expomos o que queremos imprimir de melhor aos olhos dos outros.
Desde que fui mãe, procuro viver intensamente essa nova função, até porque ela foi extremamente planejada e desejada, e veio na minha maturidade enquanto mulher, já que estou com 41 anos de idade e sou mãe de um bebê.
Consegui voltar a trabalhar muito rápido, sem ficar muitas horas longe do meu bebê por conta da minha maravilhosa rede de apoio, e por causa do meu tipo de trabalho: sou escritora, artista, vivo da arte.
Tenho a possibilidade de fazer home office, tenho a possibilidade de levar meu bebê pro meu escritorinho, tenho a possibilidade de levar meu bebê em minhas viagens e em meus eventos, porque meu marido também faz home office desde a pandemia e pode estar sempre comigo e com meu bebê.
Meus pais são super presentes na minha vida e sempre que preciso de auxílio também ficam com meu filho. No mais, a escola do meu filho é simplesmente perfeita! Ele entrou lá assim que começou a andar, eu super confio neles e ele ama as professoras, os amiguinhos e amiguinhas e toda a equipe que lá trabalha.
Dito tudo isso, parece que vivo em um mar de rosas, né? Mas não! Eu sofro de depressão severa e ansiedade aguda (com crises terríveis), que até agora estava tudo muito bem controlado com medicações corretas, terapia e sobretudo o exercício diário de respeitar meu tempo e minhas limitações.
Pois bem, nesses últimos dias cometi o erro de não me respeitar em alguns limites, um pouco com medo da desaprovação do outro, um pouco porque achei que daria conta. Um outro pouco porque tentei falar das minhas limitações pro outro que parecia entender e acolhê-la, mas que no segundo seguinte continuava com a demanda outrora exigida, como se não tivesse ficado claro o que eu havia falado, e eu ali com medo de decepcionar… Enfim…
E as consequências de eu não respeitar meus limites e limitações acabaram sendo terríveis.
Mas a gente disfarça e faz story, e um post aqui, um reel ali, um vídeo acolá pra tentar seguir em frente e deixar a vitrine sempre arrumada.
No mais a gente se depara com os eventos da vida real, os presenciais, daí toma remédio, passa maquiagem, lembra que é atriz, está com a rede de apoio e tudo vai se desenrolando perfeitamente, mesmo que a cabeça esteja bagunçada e o coração partido em mil pedaços.
E você começa a pensar nos conceitos tão em voga na contemporaneidade, tão em alta nas redes sociais tais como “reciprocidade”, “sororidade”, “solidariedade”, “empatia”, “suporte”, “apoio”, mas que na vida real você se dá conta de que as pessoas usam ZERO vezes com você, mesmo quando você já usou cinquenta com elas.
Então você olha pro relógio, o ponteiro congela e o número vira um baita de um letreiro escrito “IDIOTA”.
Na sequência, seus olhos se esbugalham, depois apertam miudinhos, até que escorre de um deles uma única lágrima gelada, porque você se lembra da sua rede de apoio e o número ZERO do outro parágrafo se dissipa, e você entende porque pode continuar fazendo aquelas cinquenta vezes.
Assim é a vida. A minha, pelo menos.
E sem mais, meu ponteiro do relógio continua correndo, sem pressa, respeitando perfeitamente meu tempo, meu limite e todas as minhas limitações.

E vamos de poesia:

Um abraço e até a próxima,

Graziela Barduco.

23 ago

Sonhos que me Assombram

Essa noite eu sonhei que uma criança me falava que eu estava “super gorda”.

Acordei mal com isso, afinal crianças não mentem, mesmo as de um sonho!

Devo estar mesmo, já que tive um filho e estou na faixa dos 40.

O fato é que essa não aceitação do corpo sempre me deixou muito mal.

Eu sempre tive o corpo curvilíneo e sei que nunca serei magérrima, e vira e mexe sofro horrores com uma série de pensamentos relacionados a isso.

É tão triste a gente custar a se aceitar e viver rejeitando aquilo que é nosso, a nossa essência.

Quando eu era mais jovem e trabalhava como modelo, ainda lidava com o agravante de não ser alta. Muitas das minhas colegas de trabalho me olhavam como se eu fosse uma aberração e não entendiam como eu podia estar em uma grande agência não sendo alta e magra.

Esses dias, passeando pela série “Verdades Secretas”, tudo isso começou a voltar à minha cabeça. Fiquei me perguntando como consegui conviver por tantos anos com pessoas tão diferentes de mim.

Sim, eu sei que o diferente agrega, nos ensina, nos amadurece. Mas o parecido é tão mais aconchegante, tão mais acolhedor. Talvez seja porque em minhas relações pessoais eu em geral venha vivenciando essa sensação de aconchego é que tenha conseguido suportar o oposto no âmbito profissional.

Enfim, o fato é que não é nem um pouco fácil a gente se aceitar, ainda mais no contexto sociocultural no qual fomos criadas e no qual estamos inseridas. E eu, passando dos 40 anos, tenho sim essa dificuldade gigante de me acolher, me aprovar, me validar, me assumir, me perdoar… É um imenso exercício diário.

E sigo na luta, dia a dia, inclusive quado acordo assombrada pelos meus sonhos, bem como sufocada pelos meus mais profundos e sombrios pensamentos.

 

E vamos de poesia, para espantar os maus “espíritos”:

 

Destas lógicas estranhas
Que me deixam aperreada
Cá soluço amargurada
Com dois rasgos nas entranhas
Quase vejo minhas banhas
Soluçando por perdão
Por fugirem do padrão
Enfiado goela abaixo
E não fique tão embaixo
Se não quer virar sabão.

 

Um abraço,

Graziela Barduco.

25 jul

Teodoras celebra 3 anos de fundação em sarau virtual nesta sexta-feira

Nesta sexta-feira, dia 28 de julho, a partir das 20 horas, o coletivo Teodoras do Cordel Artevistas SP realiza um grande Sarau festivo em celebração aos seus três anos de fundação. O evento será totalmente online, transmitido ao vivo e de forma simultânea nas redes do coletivo: www.youtube.com/teodorasdocordelsp e www.facebook.com/teodorasdocordelsp.

Na oportunidade, as artistas e cordelistas integrantes do coletivo e outras mulheres simpatizantes do grupo apresentarão performances especiais de cordéis, música, contação de histórias, poemas e canções com temáticas voltadas as bandeiras de luta do coletivo tais como: o combate à violência contra a mulher, autoconhecimento, cura interior, ancestralidade feminina, combate ao machismo e ao racismo, desafios da maternidade e vida profissional, dentre outros assuntos.

A ação, também contará com a participação especial das mulheres cordelistas residentes no Nordeste e apoiadoras do coletivo, são elas: Tonha Mota (RN), Izabel Nascimento (SE), Anne Karoline (PB) e Graciele Castro (PE).

 

Sobre o Coletivo Teodoras do Cordel – Artevistas SP

O coletivo feminino Teodoras do Cordel – Artevistas SP é um grupo poético, artístico, literário e multicultural, que produz, promove e difunde a literatura de cordel (reconhecido em 2018 como Patrimônio Imaterial do Brasil pelo IPHAN), desde 1º julho de 2020.

Tem como um dos seus principais objetivos, mapear a produção feminina do cordel no Estado de São Paulo, e ainda, fortalecer essa escrita promovendo ações integrativas entre cordelistas veteranas, iniciantes e simpatizantes, por meio de saraus, oficinas, rodas de conversa, clubes de leitura, produção de cordéis coletivos, grupos de estudos, pesquisas, formação de leitores, entre outras atividades.

O grupo, possui três obras coletivas publicadas: Justiça Violada (2021 – Editora Cordelaria Castro), Mulheres Negras que Marcaram a História (2022 – Editora Areia Dourada) e Mulheres Indígenas que Marcaram a História (2023 – Editora Areia Dourada).

Saiba mais sobre as obras coletivas do Teodoras clicando AQUI

20 jul

Teodoras em ação, Poesia e sentimento.

Amores e Amoras

Julho é mês de celebração!

Nosso coletivo está fazendo aniversário. São 3 anos de encontros, lutas, conquistas e poesias. Para celebrar este novo ciclo, presenteio o Coletivo com minha poesia gratidão, fecunda da sororidade feminina, vivenciada por mim, neste celeiro de saber, denominado TEORORAS DO CORDEL SP.

Teodoras em ação
Poesia e sentimento,
Escritoras antenadas
Registram o movimento
Do sucesso feminino,
E também seu sofrimento.

Um coletivo engajado
Que usa escrita para expor,
Lutas emancipatórias
Defendendo com fervor,
O direito de vivermos
Livres e com esplendor.

Parabéns as cordelistas
Que fortalecem a ação,
De preservar o Cordel
De qualquer limitação,
Elevando a poesia
Melhor forma de expressão.

Obrigada por fazerem
Minha escrita transcender,
Em páginas de cordéis
Que ressoam o saber.
Agradeço as cordelistas
Por escritora, hoje ser.

Toda gratidão ao Coletivo feminino Teodoras do Cordel Artevistas SP, pelas ações realizadas em prol da literatura, por honrarem a história do Cordel – patrimônio imaterial cultural brasileiro.

Parabéns por cada ano vivido, por enaltecer a escrita e vida de Mulheres que marcam, marcaram e marcarão a história do Brasil.

Para conhecer nossa caminha cordelistica, leiam nossas obras Coletivas:

Justiça Violada- publicada em 2020 pela Cordelaria Castro
Mulheres Negras que marcaram a história – publicada em 2021- 1ª Edição pela Editora Coqueiro, em 2022 -2ª edição pela Editora Areia Dourada
Mulheres Indígenas que Marcaram a História- publicada em 2022, pela Editora Areia Dourada

Vida longa ao Cordel Feminino.

Lu Vieira

11 jul

Pessoas extremamente egocêntricas e narcisistas: o mal que muitas vezes consegue se camuflar.

Sou dessas que movo mundos e fundos pra ajudar um coleguinha, sempre fui. Mas ultimamente passei a relacionar boa parte dessas ações com ser  um tanto “idiota” dos outros.  Explico.
Normalmente eu vasculho as coisas até descobrir como funcionam, “meto as caras” (amo essa expressão, inclusive pq só tenho uma cara pra meter, rs!) e vamo que vamo. Dando certo, vou passando as manhas adiante, de mão e mão e é uma delícia qdo vai dando certo pra todo mundo também.
E nem é um bicho de sete cabeças, é que sou fuçadora compulsiva mesmo e um tanto cara de pau.
Bem, não há sentimento melhor do que ver um amigo realizando um sonho daquele que você pode de alguma forma dar um leve empurrãozinho. Chega a ser melhor do que realizar um próprio sonho seu.
Pois bem, há um tempo percebi que podia contribuir com um conhecido em sua jornada na publicação de um livro. Dei todos os caminhos, apresentei as editoras que achei que teriam a ver com seu estilo de escrita, quais textos seriam interessantes entrarem na coletânea, me interessei pelo projeto gráfico e não, não fui entrona! Tudo isso ele ia me pedindo e eu o ia encaminhando.
Ele chegou a me convidar para fazer uma apresentação/prefácio que acabou virando orelha. Eu não sabia o prazo em que precisava entregar este texto. Então na semana em que estava parindo o meu bebê, eu o enviei este texto  por e-mail, explicando que como estava com a bolsa quase para romper, não queria atrasar o prazo do livro dele. Ele não me agradeceu, nem me deu um retorno se recebeu o e-mail.
Mas acabou usando o texto mesmo assim, mais para frente. A gente tem dessas…. Está parindo e está preocupada se compriu todos os afazeres antes de ir pra maternidade com a bolsa estourada. Afinal, mulher trabalha até o último segundo, né?
O livro ficou pronto, não fui convidada para ver o boneco. A ex-mulher dele tb fez um prefácio, achei que esse entraria no lugar do meu, pq ela acompanhou o processo de finalização da gráfica. Mas como minha escrita é impecável e como conquistei um papel importante enquanto escritora nesta curta carreira que está se construindo, lá estava minha orelhinha no livro.  Não tive menção especial qualquer no lançamento, claro, muita gente para ele dar atenção. Como sou muito comunicativa, fiz amizade com seus amigos, que assim como eu, transitam entre teatro e literatura. Fui embora cedo, mandei um texto o parabenizando, do qual não obtive resposta. Normal. Pra um narcisista e egocêntrico, tudo gira somente ao redor de seu próprio umbigo. E foi então que comecei a perceber o padrão: falar demais de si próprio, ter dificuldades em ouvir o outro e agir como o centro do universo.
Mudando de saco pra mala, pq se não entraria muitas cases, sacolas, polchetes, carteiras, porta cartões, bolsilhas e afins, que agora não vem ao caso, se digito meu nome no Google,  além das minha obras , aparece a dele tb em questão, pq minha humilde orelha fora usada como sinopse da mesma. E mais uma vez, a trouxa que é sempre tratada sem o menor valor pelo egocêntrico/narcisista,  o leva de carona, tendo em troca apenas o desprezo de um ser humano a milhas de alcançar o que seria o seu início de processo de evolução.

Vamos de poesia para amenizar?

Não uso da lógica costumeira
Não suporto que me categorizem
Tampouco gosto que me inferiorizem
Se usam jogo, já saio pra beira
Não faço firula, pois sou certeira
Se erram, eu sumo pra eternidade
Sou tão movida a reciprocidade
E feita de um amor que tira a calma
Rouba-me o peito e junto minh’alma
Pois na essência sou intensidade.

Um abraço,

Graziela Barduco.

24 jun

Aconteceu em uma biblioteca. Acreditam?

Hoje gostaria de  trazer-lhes uma reflexão, sem grandes pretensões, talvez enquanto uma forma de simples desabafo.
Como é de conhecimento de quem acompanha nosso coletivo Teodoras do Cordel, estamos em turnê pelas bibliotecas da cidade de São Paulo, através do projeto “Vozes Periféricas – Mulheres em Ação na Arte e no Cordel”, através da secretaria da Cultura da Cidade de São Paulo, pela qual fomos contratadas.
Tem sido uma experiência maravilhosa e intensamente especial. Até o momento percorremos 7 bibliotecas de São Paulo e cada vivência tem sido única e mágica, de modo a nos dar cada vez mais garra para seguir em frente com nossa proposta e arte.
No entanto, em uma das bibliotecas agendadas para uma de nossas apresentações, a experiência foi um pouco diferente das demais.
Quando chegamos ao local, nos ofereceram um cantinho no andar de cima e nos informaram que o anfiteatro do espaço seria usado para um outro evento que aconteceria no mesmo horário do nosso. Para esse outro evento teria público, que foi previamente convidado por eles e para o nosso não haveria.
Quando deu nosso horário de início de apresentação, começamos a tocar nosso repertório e as crianças que chegavam para o outro evento rapidamente se viram envolvidas com nossa música e foram nos assistir. Então subiu uma senhora onde nos apresentávamos, nos interrompeu o show e disse que as crianças precisavam sair e descer para o outro evento que ocorreria no anfiteatro.
Bem, depois de muito conversarmos entre nós sobre mais uma aparente e gritante desvalorização da literatura de cordel, e desta vez, pasmem!, dentro de uma biblioteca, eu fiquei pensando, pensando e repensando.
Eu acredito que o triste episódio que aconteceu conosco nessa biblioteca em si, foi além de preconceito/ignorância para com o cordel, o enxergando absurdamente enquanto uma literatura menor, mesmo hoje ele sendo reconhecido como patrimônio imaterial pelo IPHAN. Foi algo além disso.
Nós estamos em um projeto lindo intitulado “Vozes Periféricas” e acho que até então só havíamos passado por bibliotecas com essa “pegada” mais “periférica” mesmo,  sabe? Seja pela localização ou pela “filosofia” da qual compartilhamos. E quando caímos em uma biblioteca num local não periférico, pq sim, esta biblioteca em questão se localizava em um local  nada  periférico, muito pelo contrário,  um local que inclusive pode ser considerado elitista e privilegiado, parece que há uma dificuldade por parte de sua equipe em acolher um projeto que se autointitula periférico.
Não podemos usar o anfiteatro pq somos periféricas? Não tivemos acesso ao público pq somos periféricas? Nos sugeriram ir à praça chamar público pq somos periféricas? (ainda teve este adendo que informo aqui).
Enfim… Fiquei pensando muito sobre isso durante essa madrugada que se passou.
Então o preconceito está mais além do que imaginávamos. Mas sigamos fortes com nossa literatura de cordel tão rica e maravilhosa e com nossa cultura periférica tão forte, incrível e resistente, detentora da mudança. E assim será!

E sigamos com poesia! Porque poesia é resistência e resistência sempre seremos!

 

No profundo oceano
Onde outrora fui jogada
Entre esta, outra braçada
Neste nado tão insano
Penso: aquilo fora um plano
Pra minh’alma sucumbir
De meu corpo então fugir
Mas a besta que me habita
Dia e noite cá transita
Faz-me rija a resistir.

 

Um abraço,
Graziela Barduco.

24 jun

Teodoras apresenta última roda do circuito pelas bibliotecas de São Paulo com o tema violência e racismo contra a mulher

No dia 30 de junho, às 15 horas, acontece na biblioteca pública José Paulo Paes, no Largo do Rosário, bairro Penha de França, a décima e última edição da roda de conversa do coletivo feminino estadual Teodoras do Cordel – Artevistas SP. A mesa, intitulada, “Violência e racismo contra a mulher: relatos e experiências”, será ministrada pelas cordelistas Cléia Silva, da cidade de Jundiaí, e Dennah Sossai, da cidade de Campinas, após a esquete “Mulheres em Ação na Arte e no Cordel”.

A ação, faz parte do circuito Vozes Periféricas, promovido pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo e percorrerá o total de dez bibliotecas, até o dia 30 de junho.

Segundo Cléia, a roda pretende apresentar alguns relatos de discriminação vivenciados por elas e por seus país. “Esse tema é importante para lembrarmos que a violência contra a mulher preta existe sim e precisa acabar”, destaca.  “Num pequeno círculo de pessoas, iremos avaliar a quantidade de casos vivenciados e refletir sobre o que podemos fazer no nosso dia a dia para  diminuir esses números alarmantes de violência e racismo contra nós, mulheres”, explica Dennah.

Antes da roda, as cordelistas do Teodoras apresentam a esquete “Mulheres em Ação na Arte e no Cordel”. Nela, será feita uma femenagem à força das mulheres negras e indígenas brasileiras e um alerta poético sobre a violência contra a mulher. As performances, são inspiradas nas três publicações coletivas do Teodoras: Justiça Violada (2021); Mulheres Negras que Marcaram a História (2022) e Mulheres Indígenas que Marcaram a História (2023).
O Coletivo Teodoras do Cordel – Artevistas SP
Fundado em 1º de julho de 2020, o coletivo é um grupo poético, artístico, literário e multicultural, que produz, promove e difunde a literatura de cordel. Um dos objetivos é o de mapear e fortalecer a produção do cordel feminino em nível estadual. “As nossas lutas cotidianas em comum, somadas as ações de difusão do coletivo, viabilizam o acesso de leitores e leitoras às obras literárias das mulheres do cordel em nosso Estado, principalmente, em espaços de incentivo à leitura, como casas de cultura, escolas e bibliotecas”, explica Lu Vieira, cordelista da cidade São Paulo e uma das idealizadoras do Teodoras do Cordel.

Fortalecidas e engajadas, as mulheres deste coletivo têm promovido diversas ações integrativas entre cordelistas veteranas, iniciantes e simpatizantes de várias cidades do Estado. “Em qualquer segmento onde a mulher ocupa espaço, inclusive no cordel, os desafios são grandes. Unir objetivos femininos construindo um diálogo crítico e inspirador com os nossos pares, é o que buscamos em nossas atividades”, pontua Elielma Carvalho, membro e produtora do Teodoras.

SERVIÇO
Espetáculo Mulheres em Ação na arte e no cordel + Roda de conversa
,
“Violência e racismo contra a mulher: relatos e experiências”, com Cléia Silva e Dennah Sossai
Dia e Horário: 
30/6, às 15 horas
Local: Biblioteca Pública José Paulo Paes
Endereço: Largo do Rosário, 20, bairro Penha de França, São Paulo.
Entrada: gratuita

 

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